Sunday, April 26, 2009

DÁRIO VIDAL

"Com o correr dos anos, quando queremos ouvir o passado, damos conta de que as memórias se vão confundindo com sonhos.
A minha infância em santo amaro de oeiras, terra onde nasci, a praia deserta, os golfinhos, os aviões militares, o zepelim a caminho da américa, as pessoas que conheci, as escolas de arte, nova york, o teatro, a minha vida profissional. Tudo isto formou uma panóplia de vivências, cores, sentidos e afectos.
Afinal, nas memórias e sonhos, há sempre muitas estórias que podem ser contadas.
Eu contei-as à minha maneira: pintando!"
Dário Vidal
(Texto e foto retirados de um catálogo do pintor.)
Em breve voltaremos a ele, para falar da sua produção de cadeiras, de árvores e demais arte que agora o ocupa.

Saturday, April 25, 2009

DIA MUNDIAL DA ESPERANÇA - 25 DE ABRIL

Hoje, à meia-noite e um minuto, estralejaram 4 foguetes. Os foguetes podem acontecer por alegria ou por obrigação.
Hoje actuaram por obrigação. Não havia qualquer alegria neles. Quer a subir quer a explodir. "Rápido, rápido para irmos para casa." E o último foguete se o não disse, a mim pareceu-me:
- Que frete!
Bebi o meu espumante recordando factos e amigos. Que se lichem os foguetes!

Thursday, April 23, 2009

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Estava aqui a pensar nos amigos que gostam de livros, que os amam
como eu. Na Clara. No João Paulo e no João Manuel, que até os escrevem para que nunca nos falte livro novo para ler e devorar. Na Maria Assis mais conhecida pela Milu (a que já leu tudo!). Nas filhas Maria Alexandra e Vera Maria, que não vêm em primeiro lugar, para vocês não começarem com coisas. Na Ana, que ainda não percebi bem se ama os livros para os ver e manusear ou para dormir abraçada a eles no divã. Na Michele, que os ama tanto que até os quer ler às outras pessoas. No Dário que ao longo da vida fez centenas de capas, não para ganhar dinheiro ou prestígio, mas por amor, por acto criativo com amor. Na Ana Sampaio, que o melhor que lhe podem proporcionar é deixá-la em paz, sentada na cadeirinha ao sol, à porta de casa, lendo avidamente um livro. E tantos outros que me entram em casa e primeiro cumprimentam os livros e depois a mim. Ainda bem que tenho estes amigos.

Monday, April 20, 2009

BOURRÉ A MEIO DA TARDE

O Pavilhão dos Desportos estava cheio e decorado para concerto. Eu comprara um bilhete na segunda fila e já estava sentado quando as luzes se apagaram para a segunda parte, na qual ela actuaria como solista. Cerca de trinta anos tinham passado desde aquela vez que nos conhecemos. O nosso único encontro. Quando ela entrou com o maestro, o Pavilhão quase ruiu com os aplausos – estava no auge da sua carreira. Sentou-se, fez-se quase silêncio e ela atacou o primeiro andamento do Concerto para Piano e Orquestra, opus 16 de Grieg com o mesmo virtuosismo do autor.
Lembram-se? É uma entrada vigorosa.
Estava madura, mais cheia e mais bonita. A menina do vestido estampado com flores azuis, que assomava à janela para descansar as mãos e os braços, naquela moradia de dois pisos em S. João do Estoril, era agora uma consagrada pianista.
Passei cinco tardes encostado ao muro com gradeamento, que rodeava a sua casa, ouvindo-a estudar. Deveríamos ter dezassete anos. Logo no primeiro dia que parei para a ouvir, ela deu por mim. Como a pausa fosse grande, olhei para cima. Demos um pelo outro no mesmo centésimo de segundo. Olhámo-nos com curiosidade. Ela perguntando com o olhar “Estavas aqui a ouvir-me tocar?” E eu, na mesma linguagem “Fui apanhado!”
Nos cinco dias que passei ouvindo-a estudar, o esquema era normalmente o mesmo: umas escalas, depois um ou dois Estudos de Czerny, mais uma sonatina de Beethoven, alguns Nocturnos e Estudos de Chopin e parava aquele período de trabalho com uma peça ligeirinha, muito bonita, que ela já tocava com muita alma: “Fur Elise”. Depois talvez fosse lanchar, altura em que eu partia com a cabeça cheia de música.
Parecia que os deuses se interessaram por nós, primeiro, fazendo-me passar sob aquela janela naquele dia àquela hora. Segundo, proporcionando no domingo o nosso encontro na Patinagem de Cascais. Devíamos ter sido destinados um ao outro. Disse-lhe o meu nome e ela que se chamava Cecília. Falámos o resto da tarde com entusiasmo e franqueza. Ainda houve uns segundos para lhe perguntar “porquê o Fur Elise todos os dias e que tocas tão bem?” Ela sorriu e respondeu como uma criança que era “Porque gosto”.
Ficou tacitamente estabelecido que nos encontraríamos no domingo seguinte. Mas não aconteceu assim. Meus pais regressaram a Lisboa e eu com eles. Neste momento estava a vê-la, ao fim de cerca de trinta anos, a terminar o último andamento do Concerto em Lá Menor para piano e orquestra, de Grieg.
O Pavilhão parecia vir abaixo com a permanente ovação em forma de onda: subia e descia, mas não parava. Por indicação do maestro, a orquestra e a solista saíram mas ela voltou para tocar alguns extras e acalmar aquele auditório conquistado pela beleza e a perfeição da execução, que gritava o seu nome. Ao terceiro extra fui eu que gritei, já perdido, deseducadamente, “Fur Elise”. Fez-se um quase silêncio. Ela olhou em redor, tentando detectar o autor do pedido. Sentou-se de novo e tocou a bela peça que Beethoven tinha escrito para a Elisa.
Segui depois a fila das pessoas que iam ao seu camarim cumprimentá-la; toda a gente a ver e a ouvir o meu coração a bater. Estendeu-me a mão a sorrir e dizendo “Foste tu…” Beijei-a respondendo “Fui”. E nunca mais voltámos a ver-nos.

Friday, April 17, 2009

Este é o novo livro de João Paulo Guerra. Para ler e chorar por mais.
A carreira de Jornalista acaba, parece-me, em redactor principal. O que está mal. Deveria acabar em "Mestre", única categoria que poderia ser oferecida a João Paulo Guerra, que alia o Jornalismo e o Radialismo.
Publicou, entre outras, as obras "Memória das Guerras Coloniais, Savimbi - Vida e Morte" e "Descolonização Portuguesa - O Regresso das Caravelas".
Prémios: da Casa da Imprensa, dois prémios Gazeta, do Clube de Jornalismo e dois prémios de Reportagem Rádio do Clube Português de Imprensa, Prémio Procópio de Jornalismo e Prémio Nacional de Reportagem, do Clube de Jornalistas do Porto.
Voltarei em breve a este livro pois ainda estou a lê-lo com sofreguidão.

Friday, April 03, 2009

A NOVA MINISTRA

por Mia Couto*
“Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não
precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas.”
- Meu querido marido, escutou o noticiário?
- Não. Há novidades importantes?
- Diz o noticiário que você deixou de ser ministro.
- Afinal, eu ainda era ministro?
- Disseram que era. Não sabia?
- Tinha uma vaga ideia. Mas acho que se enganaram, também estes jornalistas divulgam cada
coisa, sabe como é: jornalismo preguiçoso...
- Mas aquilo era um comunicado oficial. E disseram claramente o seu nome. Eu não fazia ideia.
Pensei que era só empresário.
- Ai é? Saí no noticiário? Mostraram a minha foto?
- Não. Mas, diga-me lá, marido, você era Ministro de quê?
- Ministro dos Assuntos Gerais. Uma coisa assim... Já agora, você reparou se disseram quem era o novo ministro?
- É um dos anteriores vice-ministros.
- Afinal havia mais que um?
-Havia sete vice-ministros.
- Sete? Eh pá, aquilo não era um Ministério, era um Vice-Ministério.
- Fica triste, marido?
- Bom, pá, paciência. Mais importante são os meus cargos nas 15 grandes empresas.
- Ontem, no nosso jantar, você disse que eram 35...
- Minha querida, você escutou mal. Não há, no país inteiro, 35 grandes empresas. Aliás, a maior
parte dos empresários de sucesso ainda anda à procura de empresas.
- Não entendo essa matemática.
- É que, no nosso país, há mais empresários que empresas.
- Trinta e cinco... Trinta e cinco são os nossos anos de casados. E estou tão orgulhosa de si, meu
ex-ministro, você foi sempre tão ambicioso...
- Ambicioso, não. Ganancioso.
- E qual é a diferença?
- O ambicioso faz coisas. O ganancioso apropria-se das coisas já feitas por outros.
- Você apropriou-se de mim que fui feita por outros.
- Isso é verdade, cara esposa. Uma coisa é verdade: vai-me fazer falta o poder.
- O poder? Não me diga que lhe a está faltar o poder, marido?
- Alto lá, falo apenas do poder político. Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é
que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos
de empresas.
- Mas, marido, eu também tenho empresas, você diz que colocou uma data de empresas em meu
nome.
- Tem razão, minha querida. Vou usar das minhas influências e pedir para você ser nomeada
Ministra.
- Eu, Ministra? Para quê?
- Que é para, a partir de agora, você abrir empresas em meu nome.
* Crónica de Mia Couto publicada também na revista África 21, Luanda