Por Rosa Brooks*
Não é todos os dias que uma superpotência tenta transformar-se em nação do Terceiro Mundo.
Por isso, nós, aqui no Banco Mundial e no FMI, desejamos ser os primeiros a dar-lhes as boasvindas
à comunidade de Estados necessitados de ajuda económica internacional.
Enquanto vocês se afundam, muito nos alegra poder responder à solicitação do vosso
Departamento do Tesouro para que participemos numa avaliação conjunta da estabilidade do seu
sector financeiro. Nesta época turbulenta, podemos oferecer-lhes empréstimos subsidiados e até
especialistas.
Como vocês sabem, há muito tempo que é necessária uma intervenção na vossa economia. Na
semana passada, mesmo antes do recente colapso em Wall Street, ex-ministros da Economia de
vários países reuniram-se na Virgínia e concordaram que vocês precisam de reformar o vosso
sistema financeiro. O ex-ministro das Finanças da Índia, Yashwant Sinha, sugeriu até que vocês
peçam ajuda ao FMI.
Esperamos que vocês não se sintam envergonhados. Lembrem-se que outros países já
estiveram nessa posição. Já ajudámos as economias da Argentina, do Brasil, da Indonésia e da
Coreia do Sul. Assim, gostaríamos de reconhecer o progresso que vocês fizeram na evolução
desde superpotência económica até ao completo descontrolo económico.
Normalmente tal processo leva 100 anos ou mais. Entretanto, devido às vossas oscilações entre
o extremismo do livre mercado e a nacionalização de empresas privadas, vocês atingiram com
sucesso, em poucos anos, muitas das principais características observadas nas economias do
Terceiro Mundo.
As vossas medidas de irresponsável desregulamentação governamental em sectores críticos
permitiram que vocês desenvolvessem rapidamente uma crise energética, uma crise de habitação,
uma crise de crédito e uma crise no mercado financeiro, todas ao mesmo tempo, e acompanhadas
por impressionantes níveis de corrupção e especulação. Enquanto isso, os vossos políticos, que
deveriam supervisar o sistema, estavam dormindo com os lobistas.
Tomemos como exemplo John McCain, o vosso candidato republicano à presidência, cuja
equipa principal de assessores inclui meia dúzia de ex-lobistas de renome. Ele mesmo afirmou
recentemente que foi presidente do Comité de Comércio do Senado, que supervisa todas as
vertentes da economia. Não restam dúvidas, portanto, relativamente ao fracasso da sua liderança
em perceber o estrago causado pela desregulamentação irresponsável.
Agora, vocês enfrentam as consequências. A desigualdade aumentou. Enquanto os ricos
recebem dinheiro caído do céu, a classe média viu os seus rendimentos estagnar. Um número
cada vez menor de cidadãos tem acesso a habitação, assistência médica ou segurança social. Até
a expectativa de vida diminuiu. E, quando os problemas económicos passaram de crónicos a
agudos, vocês responderam - como fizeram tantos outros Estados do Terceiro Mundo - com um
programa extenso de nacionalização de empresas privadas.
As vossas gigantes do ramo das hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac, pertencem agora ao
Estado. Nesta semana, a gigante dos seguros, a AIG, também foi nacionalizada. Alguns podem
chamar a isso “socialismo”, mas épocas de desespero exigem medidas desesperadas.
A vossa transição para o Terceiro Mundo será dolorosa. No início, vocês terão dificuldade em
habituar-se às favelas, que crescerão nos subúrbios das cidades, mas, com o tempo, elas tornarse-
ão parte da paisagem.
À medida que as taxas de desemprego aumentarem, vocês terão problemas para encontrar
ocupação para a massa de jovens desempregados, mas logo vocês vão perceber que podem
recrutá-los para alguma qualquer guerra, um tipo de solução que já foi utilizada por muitos Estados
do Terceiro Mundo antes de vocês.
Talvez esta carta vos surpreenda e vocês sintam que ainda não estão prontos para se juntar ao
Terceiro Mundo. Mas não fiquem preocupados: Apesar de nunca terem percebido, vocês já
estavam há vários anos a preparar-se para este momento.
* Rosa Brooks escreveu este artigo para o “Los Angeles Times” que foi também publicado no Savana de Moçambique.