Thursday, February 28, 2008

DANIEL MAQUINASSE, O FIEL GUERRILHEIRO

Levávamos já algumas semanas de trabalho quando Daniel Maquinasse me deu a sua primeira lição. Lição de respeito e de dignidade.
Tínhamos à nossa frente, numa ampla mesa rectangular, milhares de fotografias a preto e branco, de vários formatos e tonalidades, sobre Moçambique e a sua guerra de libertação. Sob a orientação de um quadro político superior mas também ele um amante da fotografia e um esteta, fazíamos a selecção das fotos que deveriam figurar no livro do III Congresso.
Como é de prever, a maioria das fotos era comentada para meu esclarecimento. Quando não o faziam livremente e a minha curiosidade apertava, não hesitava em perguntar.
As fotos eram divididas por temas, um monte para cada, levando-nos muitas vezes a seleccionar um e voltar a vê-las para segundas e terceiras escolhas. Pois numa dessas passagens, voltei a deparar com uma bonita e elegante enfermeira, impecável na sua bata branca, sob um alpendre que me pareceu camuflado. Não resisti ao comentário pouco feliz:
- O camarada Maquinasse, apesar de todas as dificuldades na guerrilha, tinha boa assistência médica. Muito boa.
Ele, homem alto e entroncado, forte, pegou na foto, mirou-a (saudade?) e disse-me com uma ponta de censura:
- É mamana. De três filhos.
Sabendo já o respeito do moçambicano pelas mães, um título reverenciado e sempre respeitado, apressei-me a desculpar-me pela minha ignorância.
Primeira lição.

Este trabalho para O Livro do III Congresso continuou por várias semanas, de tarde e de noite, fazendo-nos mais próximos e amigos, como é natural. E um dia perguntei-lhe:
- O camarada Maquinasse com que máquina fotografava os objectivos?
Olhou-me por um momento, vendo onde eu queria chegar. Como na esteira do seu olhar não vislumbrasse maldade ou ironia, respondeu:
- Câmara normal com uma lente 50.
Tive autenticamente um sobressalto.
- Uma 50?!
- Sim, uma 50.
- Mas com essa objectiva, tinha de se colocar a poucos metros dos alvos para sair alguma coisa com utilidade militar… Mesmo junto das tropas e dos quartéis dos militares portugueses. Quase um suicídio…
- É verdade, mas eu não tinha outra…
Um herói, de poucas palavras e muita dignidade. Um guerrilheiro assumido e consciente das suas obrigações e tarefas.
Segunda lição.

Em outro momento de conversa, querendo mostrar o meu “africanismo”, sempre lhe fui contando que em miúdo, quando passava todas as manhãs pela Escola Primária na antiga Lourenço Marques, apanhara matacanha.
- Sabe lá, camarada Maquinasse. Aquilo dói e ao mesmo tempo faz uma comichão dos diabos. Era no dedo grande do pé direito. O mainato, com uma agulha, enquanto me explicava a cirurgia, avisava que deveria haver o cuidado de não rebentar a bolsa para que os bichinhos não se espalhassem pelo pé.
Ele sorria com a explicação. Depois emudeceu. (Agora sei que considerava se devia ou não contar-me.)
– Matacanha… O camarada Belo Marques não sabe o que é matacanha. Eu e quase todos os guerrilheiros estávamos com os pés cheios. Não era só num dedo… era em todos! Quando tínhamos tempo e havia petróleo, encharcávamos os pés… - e continuou a recordar muito sério, como era seu hábito – fazíamos dezenas de quilómetros… quarenta, cinquenta…
- Com matacanha nos pés?!
- Sim. Tínhamos de assentar o calcanhar primeiro… andar nos calcanhares…
- Isso era muito doloroso…
- E com um morteiro ligeiro ao ombro…
Abnegação e sofrimento. Em silêncio, sem alardes.
Terceira lição.

Soube que o Daniel Maquinasse todas as manhãs, de fato de treino, corria na marginal e subia a barreira. Era um bom exercício físico para um jovem, não para o Maquinasse. Como já tinha um certo à-vontade com ele, falei-lhe nisso. Calmo e sério, como sempre, respondeu-me:
- Faço isso, sim. Nunca sei se o camarada presidente vai precisar de mim. Não podemos saber, não é? Sou seu guarda-costas em vários momentos. Não sei se haverá outros e quero estar em forma se ele me chamar.
Na verdade, quando o Presidente Samora fazia férias no Bilene, era o Maquinasse que o acompanhava a nadar, um pouco mais atrás e vigilante.
Fidelidade e respeito.
Quarta lição.

No dia 19 de Outubro de 1986 foi assassinado Samora Machel.
Daniel Maquinasse, o fiel guerrilheiro, morreu com ele.

Álvaro Belo Marques
(In Savana, ssemanário de Moçambique)

Wednesday, February 27, 2008

UM POVO IMBECILIZADO E RESIGNADO...

"Um povo imbecilizado e resignado,
humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo,
burro de carga,
besta de nora,
aguentando pauladas,
sacos de vergonhas,
feixes de misérias,
sem uma rebelião,
um mostrar de dentes,
a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas
é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está,
nem para onde vai;
um povo, enfim,
que eu adoro,
porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso
da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro
de lagoa morta (...) Uma burguesia,
cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal,
sem palavras,
sem vergonha,
sem carácter,
havendo homens
que, honrados (?) na vida íntima,
descambam na vida pública
em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira à falsificação,
da violência ao roubo,
donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral,
escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...) Um poder legislativo,
esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do país,
e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre
- como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos (...),
sem ideias,
sem planos,
sem convicções,
incapazes (...)
vivendo ambos do mesmo utilitarismo
céptico e pervertido, análogos nas palavras,
idênticos nos actos,
iguais um ao outro
como duas metades do mesmo zero,
e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

GLOSSÁRIO:
SEVANDIJA - PARASITA
VENIAGA - TRAFICÂNCIA

Thursday, February 21, 2008

TAL COMO AS TRÍFIDES

O Dia das Trífides é uma história assustadora. Não se pode esquecer mais. Toda ela. Mas o começo… a dona da casa, na cozinha, que olha distraidamente para as traseiras da casa e tem a sensação de que há qualquer coisa que se mexe, que muda de lugar. Mas, quando olha mais atentamente, não vê nada… sente apenas que o cenário mudou.
São as Trífides que se aproximam. Plantas altas e inteligentes, num figurino próximo de um girassol gigante, que irão perturbar o equilíbrio social (se é que ele existe), do Homem na Terra. Começa por o dominar pelo insólito, pelo medo e, finalmente, pela sua força e unidade. Força consciente, precisa, determinada. As Trífides serão os ditadores inflexíveis e sanguinários, os justiceiros cegos, desde o momento em que se unem. Uma história inquietante de John Windham.
Pois, quer eu queira quer não, estou a ver as Trífides. Todos os dias as vejo. À mesma hora. Da minha janela ampla e rasgada vejo, ao final do dia, a chegada das Trífides, em bandos, aparentemente desorganizados. Não vêm marchando marcialmente, como soldados, alinhados pela esquerda, e de passada firme e rítmica. Não vêm subtilmente, suavemente aos poucos, deslizando, cercando, caminhando pedaço aqui, pedaço ali, palmo a palmo. Não, senhores. As minhas Trífides vêm em bandos desorganizados, mas firmes e determinadas. E não se ocultam, não disfarçam a presença.
Quando o sol começa a recolher-se, entre belos clarões vermelhos, aí chega o bando de crianças rotas, esfarrapadas e, obviamente, esfomeadas, percorrendo o bairro e investigando o conteúdo dos caixotes do lixo. Esqueletos mal cobertos, ventres amplos, olhar astuto (próprio do esfomeado ou do assaltante), miram de longe as vivendas importantes deste meu bairro. Depois disputam aos cães aquele osso de costeleta e, a mim, aquele pedaço de paz consciencial que a todos nos parece assistir, aquando das antigas e remotas sinadas das Trindades. Dominus…
Lá estão elas agora no meu caixote do lixo. Olha a minha lata de cerveja vazia! Olha como a casca do meu queijo de ontem, é alimento daquela pequenina Trífide hoje.
O lixo das pessoas é coisa íntima, recatada. Ninguém gosta de ver o seu lixo devassado. Quando estas Trífides de palmo e meio e barriga inchada mexem no meu lixo, sinto-me nu, roto também e muito vulnerável.
Olha agora a lata vazia de leite condensado! Olha o arroz velho que foi embrulhado num jornal que dizia haver muita fome em África. Era um restinho de arroz de fundo queimado. Mas foi dividido à força pelas Trífides.
E cerro cobardemente as cortinas. Mas oiço-as ainda. Murmurando, discutindo, dividindo aos gritos, raspando, comendo. Com as cortinas fachadas continuo a vê-las, com o seu famélico aspecto, invadindo esta cidade que é menos minha que delas.
É que delas será totalmente um dia, sem benevolências, sem compaixão, sem um sorriso. Tomarão em breve conta desta cidade, não através dos caixotes de lixo, mas através da sua nudez, com fome de uma certa justiça social que, não sabendo o que é, mesmo assim a imporão. Implacavelmente. Quem tem razão, fere. Por vezes mata.
Aguardai, senhores, nos vossos leitos confortáveis e razoavelmente amenos pelas Trífides.
Elas, tal como as de John Windham, estão atentas, à espera.
Agora é o final do dia, em bandos aparentemente desorganizados. Amanhã será logo ao nascer do sol, organizadamente, com a consciência de que têm razão.
É isso.
Senhores dos Acordos, dos Protocolos, das Reuniões, da OUA, dos aviões pessoais, dos diamantes, do gás. Senhores dos fatos feitos em seda italiana, das sociedades anónimas formalizadas à pressa, dos donos dos países partilhados de helicóptero. Senhores das espingardas, das minas pessoais, dos subsídios, dos Gabinetes, dos discursos: durmam agora enquanto não vêm as Trífidas.

Álvaro Belo Marques

Thursday, February 14, 2008

SÃO TÃO BONITOS OS POBREZINHOS!

Do "Jornal do Fundão" de 7 deste mês, transcrevemos a crónica do seu director, Fernando Paulouro Neves.


NA TARDE da última sexta-feira, frente à sede do Millemium BCP, havia um estranho jogo de roda, com cartazes e palavras de ordem. Eram figuras de smoking e cartola, numa “cegada” de solidariedade aos “capitalistas oprimidos”. A acção tinha a assinatura dos jovens do Bloco de Esquerda e os sorrisos dos passantes eram sinais de assentimento à carnavalização da política e às negociatas fabulosas de que “A Visão” dava conta na última edição. Que outra coisa poderemos fazer senão chorar!
Eram vozes condoídas, um coro de protesto, palavras ao vento contra essa grave injustiça do senhor Jardim Gonçalves ter embolçado 28 a 30 milhões de euros de bónus e prémio de fim de carreira, mais 100 mil euros mês de reforma, carro e motorista, e, já agora, viagens de avião, equipa de seguranças (mínimo 10). Mas logo o chorinho comove quando vem à baila o caso do senhor Paulo Teixeira Pinto ter saído do BCP com uma indemnização de 10 milhões de euros e mais a reforma vitalícia (14 meses) de mais trinta e sete mil e quinhentos euros. Coitadinho! Choremos todos pelas dificuldades de sua excelência. E que dizer do senhor Miguel Horta e Costa que ganhou cerca de 2,4 milhões de euros por não renovar o mandato na PT ou de Miguel Cadilhe que também levou 1,75 milhões de euros, de compensação por ter saído do BCP embolsando ainda mais 25 a 30 mil euros por mês de reforma! Havia uma expressão que antigamente se dizia para retratar estas situações: é fartar, vilanagem! Mas num país tão brando de costumes, que aceita todas as cangas e escandaleiras, ainda por cima com aquela filosofiazinha amoral que se compraz na exclamação: os gajos são espertos!, para que outra coisa podem servir estes casos de proveito e exemplo senão para uma boa carnavalada!
Há quem lhe chame país catita, ou choldra. Mas não deixa de ser estranho que ainda nos venham dizer que estes sujeitos (alguns metidos em grossas trapalhadas) são melhor pagos – muito melhor! – do que os congéneres na Alemanha... Que dizer desta imoralidade quando todos (ou quase todos) sabemos que vivem por aí, numa sombra conveniente ao poder, dois milhões de pobres e que todos os dias cresce o número de novos e velhos que se acercam dos caixotes do lixo na vaga esperança de encontrarem qualquer coisa para matar a fome!
Fernando Paulouro Neves

Monday, February 11, 2008

AZAGAIA

RAP MOÇAMBICANO

http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=5616&Itemid=129


E se eu te dissesse
Que Samora foi assassinado
Por gente do governo que até hoje finge que procura o culpado
E que foi tudo planeado
Pra que parecesse um acidente e o caso fosse logo abafado
E se eu te dissesse
Que o Anibalzinho é mais um pau mandado
Que não fugiu da Machava mas foi libertado
Pelo mesmo sistema judicial que o tem condenado
E o mais provável é que ele agora seja eliminado
E se eu te dissesse
Que Siba-Siba,
Coitado foi uma vítima
Da corja homicida
Que matou Cardoso na avenida
Não Aníbal e a sua equipa
Condenados pelos media
Mas a mesma que deixou
Pedro Langa sem vida
E se eu te dissesse
Que Moçambique não é tão pobre como parece
Que são falsas estatísticas
E há alguém que enriquece
Com dinheiros do FMI, OMS e UNICEF
Depois faz o povo crer
Que a economia é que não cresce
E se eu te dissesse
Que a oposição
Neste país não tem esperança
Porque o povo foi ensinado a ter medo da mudança
Mas e se eu te dissesse
Que a oposição e o governo não se diferem
Comem todos no mesmo prato
E tudo esta como eles querem
E se eu te dissesse
Que a barragem Cahora Bassa não é nossa
É dum punhado de gente que ainda vai encher a bolsa
E se eu te dissesse que há jornais
Que fabricam informação
Pra venderem mais papel e ganharem promoção
E que são os mesmos que nos vendem
Aquela imagem de caos
Que transformam simples ovelhas em lobos maus
E se eu te dissesse
Que há canais de televisão comprometidos
Com o governo e só abordam os assuntos permitidos
Que esses telejornais já foram todos vendidos
Vocês só vêm o que eles querem
E eles querem os vossos sorrisos
E se eu te dissesse
Que o Sida em Moçambique é um negócio
ONGs olham pra o governo como um sócio
Refrão: Porque nem tudo que eles dizem é verdade--é verdade
Porque nem tudo que eles não dizem não é verdade--é verdade (2x)
Eles fazem te pensar que tu sabes-- mas não sabes
Cuidado com as mentiras da verdade--é verdade

II
Se eu te dissesse
Que a historia que tu estudas tem mentiras
Que o teu cérebro é lavado em cada boa nota que tiras
Que a revolução não foi feita só com canções e vivas
Houve traição, tortura e versões escondidas
E se eu te dissesse
Que antigos combatentes vivem de memorias
Deram a vida pela pátria e o governo só lhes conta historias
Quantos nos dias de hoje dariam metade que eles deram?
Em nome de Moçambique, nem os que vocês elegeram
E se eu te dissesse
Que o deixa andar não deixou de existir
Veja os corruptos a brincar de tentarem se impedir
Comissões de anti-corrupção criadas por corruptos
A subornarem-se entre eles pra multiplicar os lucros
E se eu te dissesse
Que as vagas anunciadas já tem donos
Fazemos bichas nas estradas mas nem sequer supomos
Que metade das entradas pertencem a esquemas de subornos
Universidades estão compradas mas que raio de merda somos?
E se eu te dissesse
Que o teu diploma de engenheiro não é pra hoje
Enquanto saem 100 economista, engenheiros saem 2
Lares universitários abarrotados de gente
Vai ver as pautas a vermelho e os docentes indiferentes
E se eu te dissesse
Que neste país os estrangeiros é que mandam
Tem o emprego e o salário que querem ainda mandam
Meia dúzia de nacionais pra rua
É o neocolonialismo da maneira mais crua
E se eu te dissesse
Que a cor da tua pele conta muito
Quanto mais clara, mais portas que se abrem é absurdo
Os critérios de selecção pra emprego
Vais pra empresas tipo bancos e não encontras nem um negro
E se eu te dissesse
Que a policia da republica é uma comédia
São magrinhos, sem postura e se vendem por uma moeda
Agora matam-se entre eles traição na corporação
Afinal de contas quem é o policia, quem é ladrão?
E se eu te dissesse
Que há bancos que financiam partidos
E meia volta aparecem com os cofres falidos...
Refrão (ate ao fim)...

Thursday, February 07, 2008

MOÇAMBIQUE

Do blog de Manuel de Araújo, transcrevemos, com a devida vénia e apreço, a sua "Carta Aberta"


CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA REPUBLICA A PROPOSITO DA REVOLTA POPULAR EM MAPUTO!
Sua Excia Senhor Presidente da Republica,Excia,Dirijo-me a si, na sua qualidade do mais alto magistrado da nacao!
Excia,Um acontecimento sem precedentes registou-se ontem na capital do país. Pela primeira vez depois da independência nacional a população de Maputo saiu à rua com um único propósito- dizer de forma clara e inequívoca de que já esta farto das instituições estatais e que pelo menos desta vez, iria resolver os seus problemas, usando as suas próprias mãos! Trazendo para si, a solução dos seus problemas! E para surpresa de todos, RESOLVEU!Excia,
como deve se recordar os manuais da teoria do Estado, dizem que o Estado nasceu quando o povo decidiu passar parte da sua soberania para uma entidade própria, em troca de bens públicos -seguranca, estradas, justica entre outras. E que tal entidade exerceria o poder e a soberania 'emprestada' em nome desse povo, estabelecendo assim uma espécie de contrato social, com direitos e deveres de ambas as partes!Só que no nosso caso Excia, parece que o contrato social se rompeu, ou está em vias de se romper. Uma das partes, o povo, cansou-se da ineficiência da outra. Cansou-se e parece que quer recuperar se não toda pelo menos uma parte dos poderes 'emprestados'. Só que Excia, a história mostra-nos que quando o poder cai na rua, as consequências podem ser catastróficas, porque muitas as vezes ao inves de usar a razão o povo pode decidir baseado em emoções, com consequências catastróficas para ele próprio e para o Estado.
Excia, dizia eu que um acontecimento sem precedentes se registou ontem. Um acontecimento que a seu ver pode parecer minusculo, uma pequena ranhura no edificio da democracia. Mas essa ranhura pode ser apenas a ponta do iceberg!Este acontecimento deve ser analisado de forma franca e fria pela sociedade moçambicana. Pela classe académica, empresarial e política, porque pode vir a ter consequencias graves para a legitimidade e sobevivencia do estado mocambicano.Uma coisa é a população de um bairro fazer justica pelas próprias mãos atirando um pneu na rua ou no corpo do suspeito ladrao ou assassino. Outra coisa é a populacao de varios bairros, quase que de forma espontanea sair às ruas e dizer nao a uma medida social.Criou-se um precedente. E o 'recuo' do governo ou de quem quer que tenha tomado a decisao, mostrou inequivocamente e feliz ou infelizmente, que a solucao, por mais racional ou irracional que pareca , FUNCIONA!Ora funcionando entao, a logica dita que pode vir a ser re-activada! E ao ser reactivada quando as circunstancias assim o obrigarem, estará consumada a des-legitimizacao do Estado, que iniciou há anos, mas que ontem atingiu um ponto sem retorno!Excia,Os sinais de uma possivel convulsao social nao sao de hoje. A justica pelas proprias maos, a nao participacao nos actos eleitorais ou seja o elevado numero de abstencoes em momentos eleitorais, o crescimento da criminalidade, sao sinais inequivocos de uma sociedade amordaçada que clama em ser ouvida. Ou, de uma sociedade que no minimo nao tem mecanismos para ser ouvida e influenciar decisoes. E isso é grave. Nao é por acaso que as tampas das panelas tem furos, que permitem que parte da energia proveniente do calor se vá libertando aos poucos. Infelizmente parece que a tampa da nossa panela social tem tais furos entupidos. E cabe a si, enquanto magistrado mais alto da nacao ordenar a limpeza de tais 'furos sociais' para que a força, a energia se vá libertando.Este aspecto deve ser analisado. Recordemo-nos dos varios estudos sobre a situacao social e a possibilidade de erupcao de conflitos violentos em Mocambique feitos por entidades quer nacionais quer internacionais(DfID, Swuiss Peace e outros).
Excia,Gostaria de chamar a sua atencao para um outro ponto. O grau de violencia das manifestacoes, que nao pouparam as suas vitimas fossem elas agentes do estado ou privados. Ou seja a panela estava tao quente (e a populacao tao 'aborrecida') que nao lhe interessavam as consequencias dos seus actos. Foram partidas montras, partidos vidros de carros publicos e particulares, e mesmo um posto de abastecimento de combustivel nao foi poupado! E responsabilidade por estes danos cabe a estado pois é o estado que detem o monopolio da violencia e tem o dever de garantir a seguranca quer dos bens como dos individuos.Mas para mim acima de tudo isto ficou, uma mensagem clara para a sociedade Mocambicana e para a comunidade internacional. O velocimetro que estamos a usar para medir a nossa velocidade nacional; o termometro que estamos a usar para medir a temperatura do nosso corpo nacional, nao é nosso e nem foi feito para seres humanos da nossa especie! A medida para os nossos problemas, o juiz do nosso progresso social nao é e nao deve ser o Banco Mundial! Explico-me Excia,Os disturbios acontecem um dia depois de o presidente do Banco Mundial em pessoa ter visitado o pais (Maputo, Sofala e Inhambane) e ter dado nao apenas uma nota positiva ao governo, mas sim uma nota de despensa!Entao Excia, como é que se explica que depois de despensar com nota de luxo, menos de 24 horas passadas temos a convulsao que temos?Para mim Excia, o povo, esse 'animal' soberano chumbou nao apenas a despensa dos senhores do mundo como dos seus colaboradores nacionais, que V. Excia representa, dizendo com voz propria e bem audivel-BASTA!Reflictamos pois mocambicanos sobre os caminhos a seguir! Tenhamos a coragem e destreza necessaria para longe de emocoes momentaneas ou Mandraianas, discutirmos a sombra da mafurreira ou da mangueira o pais real- o nosso pais real e nao o pais deles. Sim o pais real e nao o ficticio ou das aritimeticas de Bretton Woods.Ja dissemos em varios foruns para quem nos quis ouvir que 'crescimento economico nao e igual a desenvolvimento'!Nao permitamos que o nosso estado se des-legitimize ao ponto de nao servir para resolver os problemas mais elementares da sobrevivencia humana! O povo soberano falou, falta sabermos se os detentores do poder, a classe academica, empresarial e sobretudo a politica tem ouvidos para ouvir! Falta saber se havera destreza necessaria para diagnosticar o mal pela raiz ou entao se uma vez mais esconderemos a cabeca deixando o rabo de fora, dizendo que o 'povo foi instrumentalizado', que o povo foi 'usado' que as manifestacos foram 'organizadas' por forcas externas, os tais e eternos 'inimigos do povo e da nacao mocambicana'Excia,Chega de Quenias, chega de Chades, chega de Liberias, chega de Serra Leoas, Eritreias, Congos!Defendamos a nossa sobrevivencia entanto que NACAO mocambicana! O senhor, como o mais alto magistrado da nacao, tem uma palavra a dizer na forma como é gerida a 'coisa publica'!Aguardamos o seu pronunciamento e quiça o cachimbo da paz social! Sabemos que recentemente fez anos. Tambem sabemos que acaba de celebrar tres anos do seu mandato. Seria de mau tom terminarmos esta carta sem lhe desejamos parabens e 'bom apetite' no consumo da prenda que o povo de Maputo lhe ofereceu ontem!E mais não disse!
Manuel de Araújo
www.manueldearaujo.blogspot.com
"MAXIMIZE HAPPINESS, minimize suffering!"
Tel. +44-(0)-7944733143