Da revista dos Jovens Agricultores, publico com prazer e vénia, o artigo da Drª. Isabel do Carmo. A foto é da médica veterinária Vera Marques.
Comer localmente, pensar globalmente
"Eu compro português. Refiro-me aos produtos de agricultura. Seja no mercado, na chamada praça, seja no supermercado, todos os produtos frescos de agricultura são obrigados a ter indicado no expositor o país de origem. E portanto, entre a Argentina e Portugal, escolho Portugal, entre a Espanha e Portugal, escolho Portugal, entre Israel e Portugal, escolho Portugal.
E defendo esta escolha. Não a faço por qualquer patriotismo mais ou menos lírico e bacoco, mas por razões práticas e concretas.
Penso que se deve consumir aquilo que é produzido junto de nós, à nossa volta, por pessoas que nos rodeiam, falam a nossa língua, que podiam ser da nossa família ou que já o foram mesmo em tempos remotos. Os produtos frescos, legumes e fruta, chegam deles até nós, com mais possibilidades de conservar essa frescura, sem que ela seja muito forçada por produtos de conservação.
Por outro lado o caminho que esses produtos fazem desde o campo em que são produzidos até à bancada do meu mercado é um pequeno caminho, comparado com a longa distância que nos separa da Argentina, de Israel, de França ou mesmo de Espanha. Desse modo a fruta que estou a comer, gastou pouco combustível para chegar até mim. Não concorro para o absurdo que é consumir combustível, que é um recurso limitado, libertar CO2, aquecer o planeta, para que me tragam uma maçã de Israel ou da Argentina, quando tenho uma igual ou melhor aqui ao lado. Isto faz parte da esquizofrenia (que outro nome é que há?) económica e é bom que toque o sinal de alarme dentro da nossa cabeça. Será que todos os nossos gestos terão que ser alienados e automáticos sem que possamos reflectir uns segundos sobre eles? Ou seja, estamos disponíveis para nos manifestarmos como declarados ecologistas de alma e coração, de papel e de boca, mas estamos indirectamente a poluir o planeta com as nossas escolhas absurdas?
Escolho os produtos portugueses também porque o futuro é imprevisível. Não sei se pode haver uma crise, uma epidemia, uma catástrofe. Sei que o meu país não é auto-suficiente em alimentos, mas quanto menos dependente for melhor... Por tudo isto penso que deveria haver a "excepção agrícola", com protecção dos produtos agrícolas (e do pescado) portugueses.
A globalização é muito bonita para os globalizadores.
Mas esses, os que ganham com a abertura do comércio mundial, os EUA, a França, a Alemanha, estão sempre dispostos a proteger os seus produtos quando isso lhes dá jeito. Ou seja globalizam para fora e protegem para dentro. Claro que o confronto com produtos de outros países tem a sua vantagem, que é a competição na qualidade. Passámos pelo período de protecção absoluta no Estado Novo em que se produzia toda a espécie de porcarias, as quais tinham o mercado exclusivo e garantido das colónias. Isso levou à estagnação de alguns sectores, a um atraso e a uma falta de qualidade, da qual ainda estamos a pagar a factura.
No entanto, hoje temos muito bons produtos, nos legumes, na fruta, nos lacticínios, na agro-pecuária, nos produtos conservados. É sabido e está provado que os legumes frescos e a fruta são bons para a saúde. São bons na prevenção das doenças cardiovasculares (coração e cérebro) e na prevenção de alguns cancros. Têm vitaminas, sais minerais e fibras insubstituíveis. A sopa é um alimento excelente - cheia de vegetais, com a água de coser os mesmos conservando nutrientes, desinfectada porque levanta fervura e saciante. No prato princípal devemos ocupar metade com vegetais, mas lá estarão também os "farináceos" - batatas, arroz, massa- e um pouco de carne, peixe e ovos. A fruta pode ser distribuída pelas refeições do dia. E o leite e derivados são indispensáveis. Claro que prefiro os vegetais e a fruta sem fertilizantes e pesticidas químicos. Que bom que é podermos dar uma dentada numa maça com a certeza de que não estão ali insecticidas! Mas também nessa área pode ser feito um esforço de qualidade e essa qualidade é uma distinção no mercado.
Pergunto-me porque é que há tão poucas campanhas para se comerem produtos portugueses.
Porque não há mais publicidade a boas novidades na área agrícola, porque as há, que vêm ao encontro das preocupações em saúde.
Calculo que não há porque as campanhas...custam dinheiro. E entretanto são os produtos estrangeiros e prejudiciais para a saúde que nos entram pelos olhos dentro. E sobretudo que entram pelos olhos dentro das nossas crianças."
Isabel do Carmo, médica, in Revista "Jovens Agricultores" nº 72