Friday, January 04, 2008

HISTÓRIA DO ARCO-DA-VELHA

Quando o António de Sousa Mendes, passeando na floresta, encontrou dona Florinda Dos Santos, quedou-se espantadíssimo. Todos sabiam que dona Florinda dos Santos tinha sido promovida a bruxa de segunda, com equivalência a mágico de terceira.

Alegre com a sua nova categoria (quem o não estaria?!), pegou no saco dos desejos e disse a António de Sousa Mendes que retirasse três. Ele que não, que não, por quem era, tantos também não, que não merecia, não senhora. Tirou três.

Contente como um passarinho (1), António de Sousa Mendes chegou a casa, um espectacular apartamento de duas divisões – uma para dormir, outra para se lavar de pé, comer de pé, descansar de pé e sonhar de pé – e guardou dois desejos num saquinho de plástico o qual, meticulosamente, alfinetou ao forro do blusão.

1º. DESEJO

Com o primeiro desejo muito direitinho na mão e concentrado como convém a um aprendiz de feiticeiro, disse em voz alta, clara e quase imperiosa:

– Desejo habitar uma casa idêntica à maior parte das pessoas!

Imediatamente, entre duas explosões e três nuvens de fumo branco com estrelas azuis, António de Sousa Mendes viu-se confortavelmente instalado numa barraca counstruída com bidões da Standard Oil e bonitas janelas feitas de caixas de televisores Siera. Uma única divisão, sem latrina nem sanita, sem chuveiro, sem água, sem fogão nem chaminé.

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(1) – Os passarinhos nunca estão contentes porque não são mamíferos. Há mamíferos que também nunca estão contentes contudo, a expressão é muito bonita, não é?


2º. DESEJO

António de Sousa Mendes quedou-se triste com a sua primeira experiência e, maldosamente, sempre foi pensando se dona Florinda dos Santos não o estaria a desfrutar. Mas não. Arredou logo essa ideia da mente. Ela sempre se mostrara bondosa para com ele. Bondosa quando, em menino, lhe deu duas laranjas. Bondosa quando, em adulto, lhe deu os três desejos. Dona Florinda dos Santos não era péssima, se bem que as más-línguas se referissem, censurando, ao facto de ter transformado o marido em réptil anfíbio da ordem dos anuros e família dos buforídeos. Por raiva ou por outras razões, chamavam ao marido da dona Florinda dos Santos, após a transformação, de o sapo.

Bem, adiante.

António de Sousa Mendes, triste com a sua nova casa (1), retira o saquinho de plástico e espreita, atento. No fundo, a um cantinho, dois desejos saltitantes e bem frescos aguardavam. Com todo o cuidado pega no segundo desejo, coloca-o na mão estendida e diz:

– Daqui para o futuro quero ser feliz!

O desejo desapareceu, mas sem nuvens de fumo, nem explosões. Houve silêncio apenas. Quietude no seu lar. António olha em redor e vê, sentada num monte de listas amarelas, dona Florinda dos Santos. No bolso da blusa, aos pulos, o seu marido, o sapo.

– António de Sousa Mendes... és parvo!

– Sou, minha senhora.

– E, por seres parvo, já não ficas com o terceiro desejo. Dá cá!

Ele deu lá.

– Querias então ser feliz?!

– Bem... querer, queria.


– Não contes mais comigo. Isso não são coisas que se desejem. Creio mesmo que, por tua causa, já não serei promovida a bruxa de primeira, que me daria equivalência, nas coisas oficiais, a mágico de segunda.

Dona Florinda dos Santos desaparece levando o marido no bolso da blusa. António de Sousa Mendes vê-se com o saco de plástico vazio e naquela casa alatada. Desesperado, vai até à entrada, senta-se numa pedra e começa a uivar.

Felizmente, nesse momento, passa o Gustavo Picão, ferrador de profissão, que se comove e da lancheira retira um osso enorme que lhe oferece, gentil.

António de Sousa Mendes agora já sorri. No fundo, é tudo uma questão de hábito.

(1) – Que possuía, à entrada, um quadrinho bordado à mão, dizendo: “Tinbox, sweet tinbox.”

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