Thursday, March 27, 2008

GUEBUZA NÃO


Do jornal "Canal de Moçambique" de hoje, publico com a devida vénia, uma crónica póstuma do jornalista Carlos Cardoso, assassinado barbaramente a rajadas de metralhadora.

Via Ripua, mais uma vez passamos a
conhecer assuntos intestinais do partido
Frelimo, discutidos, em surdina lá dentro.
Desta vez, é a sucessão de
Chissano. Ripua quer Guebuza. Já o tinha
proposto Primeiro-Ministro.
Na nossa opinião Guebuza não. O
nosso parecer assenta em dois factores:
1. As pessoas têm medo de Guebuza.
2. Ele foi, talvez por uma razão de
causa e efeito, o primeiro factor, um dos
ministros mais incompetentes a passar
pela governação da Frelimo. Onde tocou,
estragou.
Vamos à questão do medo.
É verdade que Chissano tem gerido
a presidência com um grau de hesitação, por
vezes prejudicial para o país. Mas com
ele na presidência desde 1986
Moçambique foi praticando níveis de
liberdade de expressão. E hoje está bem
evidente quanto melhorou na governação,
a pauta aduaneira por exemplo, fruto do
uso crescente dessa liberdade.
Via debate, o país foi encurtando o
caminho para consensos e assim se
arranjaram algumas soluções.
Moçambique precisa, pois, de um
presidente, cuja personalidade, ainda que
menos hesitante do que a de Chissano
seja pelo menos tão aberta ao diálogo
como a dele.
Guebuza tem sido o contrário
disso. As pessoas calam-se por causa
dele. Não tem nem um décimo da postura
de Chissano no tocante a aceitação de
crítica contra ele.
A governação do país ficaria
Guebuza não
seriamente prejudicada com um presidente
inspirador de-temor-e revolta-entre os
cidadãos.
Em segundo, mas não menos
importante, lugar, a questão da
incompetência. Armando Guebuza tem
sido mau gestor da coisa pública. Como
Governador de Sofala pôs em perigo o
relacionamento com Portugal.
Como ministro do Interior, adoptou
para a operação produção, um método que
anulou qualquer hipótese para a
concretização das intenções que lhe deram
vida (pese as responsabilidades do
presidente Samora Machel numa
conceptualização apressada do programa).
E nos transportes Guebuza cruzou
os braços perante o alastramento
impetuoso do roubo e da corrupção,
levando entre outros males, a uma quebra
terrível do tráfego via porto de Maputo e
ao desmoronamento quase irreversível da
LAM.
No partido Frelimo há outros
sucessores possíveis para Chissano, apesar
de nenhum deles, depois da morte de
Samora Machel, ter defendido o país,
contra a pilhagem desenfreada das nossas
riquezas, tem no seu CV muitos mais
méritos do que Guebuza para o cargo do
PR.
Por outras palavras, a transição pós-
Chissano pode ser pacífica. Mas, a escolha
final é a dos eleitores. Pelo menos enquanto
Guebuza não for PR.
(In «Metical» de 15 de Julho de 1997,
Carlos Cardoso) (*) Publicação a título
póstumo. O autor foi assassinado a 22 de
Novembro de 2000

Monday, March 24, 2008

ESPÍRITO SANTO DE ORELHA

O Fiat 500 decrépito estava sempre estacionado no mesmo sítio, no largo fronteiro ao Convento de Mafra. Sabia que era o do padre e, soube-o mais tarde também, que ele parava sempre ali não por gostar daquele local, mas sim por falta de gasolina.
Aliás, qualquer observador mais atento veria que as suas vestes eram incrivelmente pobres, russas, passajadas e, sem querer fazer humor, de ver a Deus. Este padre, por minha bondade monsenhor, talvez primo do D. Quixote de Graham Green tinha, no jogo do bilhar francês, um vício vigoroso, que o deveria fazer sofrer mas do qual, aparentemente, não se conseguia livrar, ou era semanalmente absolvido em confissão. Mas isto, claro, na hipótese de ele o considerar um vício e, mesmo que sim, desejar livrar-se por feiura e irrespeito pela profissão. Especulações que nós os seis, milicianos sanguíneos guelrosos e esquerdistas em Mafra, às vezes colocámos como tema de desfastio, à mesa do café.
Pois muitas noites chegava monsenhor, passava por entre as mesas sem que alguém desse por ele, sentava-se na primeira cadeira livre que ao caminho se lhe oferecia e, bebendo um café, punha-se a ver os jogos que se desenrolavam na mesa de bilhar, completamente absorto em tudo o mais que o rodeava para além de Deus.
Por qualquer motivação para nós desconhecida, mas não muito distante da alegria e barulho que caracterizava todas as noites a nossa mesa, monsenhor foi-se colocando cada vez mais próximo de nós. Isso notámos. Ele olhava para o bilhar mas deixava descair um ouvido orientando-o para o nosso lado, por certo necessitando um pouco da nossa juventude e irreverência. Mas não era velho; parecia, isso sim, velho, acabado, estafado, esgotado. Quarenta e tal anos, talvez, para fazer a pé, como soubemos pela empregada da pensão, as diversas freguesias dando a extrema-unção e outros carinhos de seu mister, a qualquer hora do dia ou da noite, ao sol e à chuva e ao frio. Por certo um santo homem com o vício do bilhar e sem dinheiro para o alimentar.
Tinha outro vício ainda que já me esquecia de vos referir: o santo fumava. Muito. Talvez ele poupasse na gasolina para o tabaco e para o bilhar, mas isto já pode ser considerada uma opção maldosa de um ateu, mas a sua fama de bom padre (há padres maus?), dedicado, fraterno, amigo e confidente dos seus paroquianos, fazia a empregada contadora arredondar os olhos negros e aumentar a beleza da sua expressão louçã. “Um santo, é o que lhes digo, meninos! Um santo!”
Uma noite acabei uma partida de bilhar e fiquei sem parceiro. Perguntei a monsenhor se queria jogar mas com uma condição, e ele que sim que sim e qual. Irreverente, talvez deseducado, mas certamente por defesa, disse-lhe que nem ele me falaria de religião nem eu a ele de política. Um trato entre cavalheiros de diferentes credos. Olhou-me bem no fundo dos olhos, talvez procurando-me a alma que, naquelas idades, sei hoje ainda estarem em formação cubista e disse-me com simplicidade: “Está bem.”
Nunca assombrei ninguém a jogar ao bilhar, mas conseguia fazer umas coisas com jeito se estivesse aplicado. Obviamente que lhe propus que fosse “ao perde-paga”. E também obviamente que perdi e que passei a ser o seu parceiro favorito. Entrava no café e já me procurava com os olhos; eu era, bem observadas as coisas, o seu dealer.
E fomos mantendo o nosso trato, poucas frases trocando que não fossem de circunstância, de tabelas, de meteorologia, de efeitos bolísticos, e coisas assim.
E uma noite, na pensão, combinámos ajudar o padre.
Um de nós perguntou se já tínhamos reparado que o Fiat já estava há mais de quinze dias a dormir à sombra protectora do Convento. Alguns que sim. Fomos então comprar uma lata de cinco litros de gasolina e vertê-mo-los no respectivo depósito, enquanto outros vigiavam, não fosse monsenhor ter Espírito Santo de orelha.
O miliciano que verteu a gasolina para o fanado Fiat, ficou com a mão direita molhada, pelo que a todos, espargindo o combustível sobre as nossas fardas enodoadas, nos benzeu: “Eu vos abençoo, meus bons malandros” – disse. Um irreverente acto após uma boa acção.
No dia seguinte à noite, todos queríamos observar o imaculado rosto de monsenhor e, por falta de clareza mental, nos calámos quando ele chegou ao café. Veio, cumprimentou e sentou-se, olhando para a mesa de bilhar. Mas sorria. Ele tinha mesmo Espírito Santo de orelha.

Álvaro Belo Marques

Monday, March 17, 2008

EM BUSCA DO ADAMASTOR

No tempo em que ainda se aprendia Português na Instrução Primária, o nosso livro de leitura para a 4ª. Classe era da autoria de Manuel Subtil, Cruz Filipe, Faria Artur e Gil Mendonça.
Pois não é que ontem a minha irmã, mais velha que eu nove anos e agora com mais de meio século de existência, me saiu a dizer Camões depois do almoço?!
Recordava ela o livro por onde tinha estudado, citando o “Apólogo das Cotovias”, do P. Manuel Bernardes, “A Chegada do Correio”, aquele tão belo texto da “Morgadinha dos Canaviais”, de Júlio Diniz, “A ida para a Escola”, dos contos de Trindade Coelho “Os Meus Amores”, naquele parte tão bonita de “a encomendinha era eu”, “O Estatuário”, do P. António Vieira e ainda, não contente, mas comigo ouvinte atento, disse de cor e com o coração:

“Porém já cinco sóis eram passados
Que dali partíramos, cortando
Os mares nunca de outrem navegados,
Prosperamento os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.”

Ela e Camões falaram novamente do Adamastor.
Foi então que retornámos, de mão dada, a Abril de 1939 quando, assarapantados, embarcámos para a África no António Delfino, uma luxuosa cidade alemã que dava pelo modesto nome de barco.
Tirando aqueles dois dias habituais, em que se prefere morrer a viver em tais agonias baloiçantes, tudo era pasmo encanto, pois de mar só conhecíamos o que se enxerga da Costa da Caparica, lá para as bandas do Pica Galo.
Quando despertámos daquela doença tenebrosa chamada enjoo, estávamos à vista da Madeira. Quer dizer: nós olhávamos para a Ilha e a Ilha olhava para nós.
Depois de termos visto os miúdos a mergulhar para apanhar as moedas que os outros atiravam (nós não, até porque não tínhamos), desembarcámos para, logo no dia seguinte, embarcar noutro casarão a falar inglês, que se chamava Warwick Castle, rumo a Cape Town, como na altura se dizia em português Cidade do Cabo.
Aqui, no Waraick, foi um tempo giro e divertido. O cozinheiro jogava comigo ao pinguepongue, fumava cachimbo e ia-me ensinando algumas palavras que eu, obviamente, esquecia de imediato. Mas numa das primeiras lições, foi-me mostrando tachos, panelas, caixas de comida e dizendo os respectivos nomes em inglês, que eu repetia em português, rapidamente e sem atenção, pois o que eu queria mesmo era jogar pinguepongue. Assim, e não sei como, ficou assente que biscoitos se dizia em português “gelo”. Nem mais. (Infelizmente, penso que ele nunca teve a oportunidade de desfazer esse engano.)
A nossa mãe não regulava bem da saúde, pelo que lhe dava fome nas horas precisas em que não havia refeições – pelo menos na 2ª. Classe, que era o andar onde habitávamos. Mas tal deixou de constituir um problema. Quando lhe dava essas fomes extemporâneas, eu corria à cozinha e pedia "gelo" ao cozinheiro, que logo me atendia com os melhores biscoitos de Sua Majestade.
E lá íamos de vento em popa, que não precisávamos de vento para nada, quando a minha irmã nos disse que nessa noite iríamos ver o Gigante Adamastor.
O entusiasmo do clã foi geral. Ficámos toda a noite a pé, a olhar para o horizonte, à espera do Gigante, que um senhor chamado Imediato tinha prometido que se veria muito bem e que agora estava domesticado por via do desenvolvimento marítimo e da biologia idem. Que estava tão simpático que, por vezes, até se curvava num respeitoso cumprimento aos navegadores, dizia o safado.
Pois cedo nasceu o Sol e de gigante nada. Como nada também aconteceu a um rapaz que catrapiscava de viés a minha irmã e que de português só sabia dizer “caneta de tinta permanente”. Esteve, na conjugação própria, de binóculos assestados para ver ao pormenor a Linha do Equador e de nós se despediu gritando alto “caneta de tinta permaneeeeenteee!”. Tudo gente inteligente, ele e nós, como se depreende.
Tempos depois, já instalados na então Lourenço Marques, soubemos que o Warwick Castle tinha sido torpedeado por um submarino alemão, quase à vista do Brasil e que morrera a quase totalidade da tripulação e dos passageiros.
E foi assim que neste almoço ameno, com base num honesto Bacalhau à Gomes de Sá, eu e a minha irmã recordámos o nosso livro de leitura, a Instrução Primária, Camões e o Adamastor. E a nossa meninice.
Álvaro Belo Marques
(In TempoLivre - Inatel)

Tuesday, March 11, 2008

O AVEJÃO (1)


Um enorme e estranho avejão mira do alto dos céus os homenzinhos cá em baixo. Parece – aos tais homenzinhos –, uma águia gigante, preta e ameaçadora. Mas ela não está totalmente parada, não. Ela caminha lentamente para Sul. Devagarinho. Sinistra na sua quase imobilidade.
Durante a noite o avejão muda de poiso. Podemos acordar com ele sobre o Algarve, albatroz gigante de asas aparadas olhando-nos e lançando os seus malefícios. Por exemplo
Ontem estava sobre S. Sebastião do Escoural. Por acaso cruzei-me com Silva Pinto, que estava na sua rua a apanhar chuva, quando embato no professor Peter, de calções, apesar do tempo, e de boné alentejano sobre a testa. O avejão parou a ver e a ouvir.
- Olá, professor, que faz por aqui?
Sorridente respondeu-me, olhando para cima, para o avejão.
- Estatística, meu caro. Conto pessoas.
Foi assim tal e qual como vos estou a contar. O barco já ia longe quando dou por mim a analisar a cidade vista da barra – tão bonita como qualquer outra, claro. Não havia Sol nesse dia. A sombra do avejão parecia ter aumentado nos últimos tempos e isso notava-se na imprensa e nas notícias da televisão.
- Vai arrancar o Festival da Canção – disse ela toda contente como se lhe tivesse saído o euromilhões.
A dona Margarida voltou-se para a turma, que éramos nós, e disse:
- Sujeito: Festival da Canção. Predicado: arranca. Arranca o quê?
E a turma toda, incluindo o gago do Artur:
- Pregos!
Cinco dias depois o avejão estacionou sobre a capital que ficou mergulhada numa tonalidade cinzenta-clara. Os meteorologistas disseram pela televisão, pois claro, que não era nada, apenas fenómenos atmosféricos sem importância por causa de uma depressão situada no peito dos portugueses continentais, a noroeste do peito dos açorianos insulares.
Os portugueses continuaram a fazer as suas vidinhas, muito preocupados com os respectivos carros enquanto fui dar com o professor Peter sentado com o Fernando Pessoa, os dois a conversar em voz baixa. É evidente que o professor já falava muito bem português, ao contrário do Pessoa. Puxei uma cadeira e sentei-me ao pé deles. Dizia o mestre:
- É como lhe digo meu caro Poeta. Este avejão, esta nuvem negra e enorme, há décadas que esparge o vírus da incompetência. Todos estão aos poucos a atingir esse nível. A democracia virou mediocracia. O Zé Povinho já não faz manguitos e a Amália já morreu.
E o Poeta:
- E o que tenho eu com isso?
- Ó homem, isto é a gente conversar.
Vim-me embora. Que adiantava estar ali a ouvi-los?
Se todos tínhamos atingido já o nível de incompetência, o melhor era comprar casa a 40 anos e, depois de paga e de fome pelo meio, viver nas ruínas. Pois então.

Quando me der na gana escrevo o Avejão (2)

A.B.M.

Monday, March 10, 2008

"PERGUNTAS À LÍNGUA PORTUGUESA"

Com a devida vénia, trascrevemos hoje um delicioso artigo do escritor moçambicano Mia Couto, publicado no semanário "Savana" (Moçambique).

Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões?
Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-daguarda, felizmente, nunca me guardou.
Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos
simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica. Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulbúrbio.
sulbúrbio.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.
Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo.
Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas?
Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:
• Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?
• No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite
em branco?
• A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?
• O mato desconhecido é que é o anonimato?
• O pequeno viaduto é um abreviaduto?
• Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?
• Quem vive numa encruzilhada é um encruzilhéu?
• Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?
• Tristeza do boi vem de ele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior
vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?
• O elefante que nunca viu mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?
• Onde se esgotou a água se deve dizer: “aquabou”?
• Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?
• Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?
• Mulher desdentada pode usar fio dental?
• A cascavel a quem saiu a casca fica só uma vel?
• As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: “finanças”?
• Um tufão pequeno: um tufinho?
• O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?
• Em águas doces alguém se pode salpicar?
• Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?
• Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?
• Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?
• Borboleta que insiste em ser ninfa: é ela a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocámos essoutro português – o nosso português – na travessia dos matos, fizemos com que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.
Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas – o racionalismo trabalha que nem lixívia. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos.
Devolver a estrela ao planeta dormente.