Monday, December 03, 2007

OS GRANDES SAFARIS AOS GALA-GALAS

A minha vizinha e amiga Leonor, ouvindo-me falar de olho a luzir em gala-galas, quis saber mais sobre o bicho. Escrevi este textinho que agora recuperei, porque estou numa da infância. Tende lá paciência!




Eu tinha oito anos e vivia com os meus irmãos mais velhos e com os pais em Lourenço Marques, antiga capital de Moçambique e às vezes eu ouvia eles dizerem que iam caçar gala-galas.
Ficava ansioso por os acompanhar, mas não me levavam. Eu era o mais novo e uma menina era a mais velha. Explico melhor: éramos quatro irmãos - e a mais velha era uma menina. Portanto, eu, o mais novo, era assim uma coisa, como um gato ou um cão, que se estima e a quem se faz festas e se dá beijinhos mas não importância.
Quando os gloriosos guerreiros voltavam dos safaris, eu ia ver o que tinham caçado e era sempre nada - e eu, por vingança, ficava todo contente.
Mas uma vez eles disseram “vem daí”, generosidade afectiva que bem me soube. E lá fui todo contente.
Ora bem. Primeiro, como se caça gala-galas? É importante que vocês saibam como é mas, primeiro que tudo, o que é um gala-gala?
Pois um gala-gala é um simpático lagarto de grande cabeça verde-azul, que atravessa as ruas a grande velocidade, que mantém sempre a cabeça bem erguida, como se fosse um bicho importante e que, se lhe cantarmos, ele dança todo contente. Não acreditam? É verdade!
Vamos então à caça.
Como se caça um gala-gala? Com uma sarabatana. Mas que coisa é essa? Fazemos assim: arranjamos uma cana direitinha, furamos os nós interiores com um arame ou um ferro, sopramos bem e temos o chamado tubo. Depois pedimos à mãe umas agulhas e arranjamos daquele papel muito fininho, papel de seda. Com bocadinhos deste papel fazemos cones muito bem enrolados e, na extremidade, põe-se a agulha. Era a “bala”.
Depois metia-se a “bala” no “cano” que, neste caso era a cana, e estávamos prontos a ir à guerra e a matar rinocerontes, leões e... os pobres gala-galas.
Como dispara? É assim: uma ponta da cana (a que tem lá dentro a “bala”) encosta-se à boca. A outra extremidade da cana aponta-se ao animal selvagem que queremos abater e, enchendo o peito de ar, sopramos com quanta força tenhamos. E lá vai a mortalha com a agulha na ponta, direita ao alvo. Não é verdade! Pelo menos no caso dos gala-galas, nunca ia direita ao alvo; nunca acertava!
Eu não tinha idade para possuir uma arma tão importante como uma sarabatana, mas fui todo contente com os meus irmãos.
Andámos pelos subúrbios toda a manhã, com os meus irmãos gesticulando para mim, impondo silêncio, caminhando devagar como os cães perdigueiros, “disparando balas mortíferas”, que voavam habilidosamente por entre as árvores sem atingir qualquer alvo, os gala-galas fugindo a rir como uns perdidos, e depois regressámos a casa sem glória nem troféus.
Fomos mais vezes. Várias vezes. Uma com dois vizinhos. Uma autêntica batida aos gala-galas. Um safari cuidadosamente preparado entre quinta-feira e sábado, com ensaio das sarabatanas, prática de tiro ao alvo e escolha criteriosa das melhores agulhas da nossa mãe e das mães dos outros corajosos caçadores. Escolheram-se canas, fizeram-se “balas” em quantidade, soprou-se a valer pelas canas. Uma aventura muito bem preparada. Ir-se-ia para mais longe nesse sábado: iríamos para a zona do Instituto de Meteorologia, onde, segundo um rapaz que era filho, precisamente, de um meteorologista, havia mais gala-galas do que em qualquer outro ponto de Moçambique.
Pois nada! Felizmente ninguém, alguma vez, caçou um gala-gala. Andámos lá até às tantas, não caçamos nada e, quando chegámos a casa mais tarde que tarde, não tivemos direito ao almoço, sábio castigo da mãe. Fim do grande safari!

(Pois, como já dissemos, o gala-gala dança. Se um grupo de crianças rodear um gala-gala e, ao ritmo de palmas, lhe cantar
“Gala-gala lhokuene
Gala-gala lhokuene”,
ele agitará o tronco de um lado para o outro e abanará a cabeça sempre bem levantada.)

No comments: