4.
Nessa noite o canal 14 transmitiu um filme com um
inspector da Judiciária francesa chamado Mallet, ou
Montê, ou Maigret, uma coisa assim.
Um homem ranhosamente humano. No fundo feli -
císsimo por não ter filhos e ser casado com uma atrasa-
da mental.
Amante das árvores e dos diversos estados do tempo,
poderia bem ter ido para meteorologista. Um caso per-
dido. Um piegas, que gostava mais dos criminosos e de
copinhos de calvados do que da esposa. Se não fosse ins-
pector de crimes, já tinha por certo sido internado numa
clínica psiquiátrica.
E o Rockfeller a comê-lo com os olhos, reclinado num
dos sofás da sua sala. Que bom ser Gillet, ou Maigret ou
lá o que era!
5.
O Inspector-Chefe Rockfeller entrou calmamente no
seu gabinete, tirou o sobretudo, sentou-se e acendeu o
cachimbo. Pegou então no telefone para pedir sandes e
cerveja recordando-se, porém, que eram apenas nove da
manhã. Mas do outro lado responderam. Então perguntou:
- O Bone está com algum trabalho? Não? Então que
venha falar comigo.
- Sim, senhor.
- Oiça. A partir de hoje é "sim, patrão".
- Mas... o meu patrão é a cidade de Nova Iorque...
- O seu patrão sou eu. Se não acredita, pode passar pela
tesouraria, receber os dias que trabalhou e procurar outro
emprego. Quer?
- Não... patrão.
Desligou satisfeito. Levantou-se e foi até à janela, mirar
inteligentemente a paisagem. Um pensador. Um honen pro-
fundo. Um homem que ia ao fundo das questões e das almas.
Aquela gentinha que transitava lá em baixo pelo cais eram
seres amorfos, inferiores, sem preocupações existenciais.
Uns merdas, portanto.
Uma pancada na porta interrompeu os seus profundos
pensamentos.
- Entre - disse com ar cansado e, saindo lentamente da
posição de observador do mundo circundante, virou vagaro-
samente a cabeça, em virtude desta se encontrar repleta de
problemas.
- Mandou-me chamar?
- Mandei.
Sentou-se também lentamente, como se o seu peso tivesse
autentado com o cargo e responsabilidade. Pegou no cachimbo
e permitiu, paternalista:
- Sente-se, Bone.
- Obrigado - ele sentou-se.
- Você é filho de um médico legista, não é?
- Sim, senhor.
- E como vai a Mary, a sua encantadora mulher?
- Bem, muito obrigado, senhor inspector. Acabou com apro-
veitamento o curso de decoração de jardins interiores. - E
pensou, deliciado, que era solteiro.
- Óptimo, óptimo. Mandei-o chamar... bem... que tem agora
entre mãos?
- Droga e roubo de tecnologia de ponta. Nada de urgente.
- Encarregue-se, então, do "caso da mulher com um olho de
vidro". O arquivo tem todos os dados. Diga ao Morris que fui
eu que autorizei a consulta.
- O capitão Morris e a maior parte dos colegas não se apre-
sentou hoje ao serviço... ainda. Estiveram, estivemos ontem
numa farra até às tantas.
- Quem fez anos desta vez?
- Bem...
- Foi alguém promovido sem meu conhecimento?
- É que comemorámos o rebentamento do Tell.
- Hum... percebo... quando sair, diga ao guarda aí de fora
para me ir buscar uns cachorros e duas cervejas... o dia
promete.
- Sim, senhor.
- Preferia que me chamasse patrão.
- Sim, patrão.
Que puta!
Wednesday, January 25, 2006
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment