Monday, March 13, 2006

27. O caso da mulher com um olho de vidro (cont.)

7.

Com cinco dias de violentíssimo regime, Bronco
Vale parecia mais novo. Deixara de fumar e de beber.
As refeições eram boas e a horas certas. Algumas
rugas tinham desaparecido e o nariz parecia menos
afilado. Estava, pois, um amor de rapaz.
A visitante habitual fazia-lhe companhia.
- Sairei amanhã, sra. Marlowe...
- Chame-me linda.
- ...e continuarei a investigação.
- Não quer desistir?
- Agora não. Agora vai ela começar... parece-me.
De olhos baixos, como se informasse que, em
miúda, tivera bexigas benignas, Linda disse:
- Edgar... o meu falecido marido, deixou-me um
razoável seguro de vida, além da pensão da Polícia
e tenho ainda parte da herança de minha mãe.
- Está a propor-me um dote?- disse com fina ironia.
- Estou só a dizer-lhe que... já liquidei a conta do
hospital.
- Bem... essa conta será descontada nos meus
honorários.
- Acho bem. Virei então buscá-lo amanhã.
- Claro que tem carro?
- Claro que tenho. Bem... adeus, senhor Vale.
- Adeus Linda. Até amanhã.
Quando a sra. Marlowe chegou à porta, esta abriu-se
de repente. O'Hara, com a sua barulhenta perna de
pau, entrou friorento. Afastou-se, segurando
gentilmente a porta para ela sair, o que Linda fez
baixando a cabeça num mudo agradecimento.
O'Hara, esfregando a mão natural na artificial, para
a aquecer, desabafou:
- Bela mulher, caramba!
- Hum-Hum.
- Quem é? Posso saber?
- Pode. Uma linda mulher.
- Tá bem, Bronco.
E sentou-se na cadeira onde estivera Linda Marlowe,
colocando a perna de pau num dos ferros da cama.
Acendeu um cigarro (depois daquelas manobras
todas que já explicámos) apesar de um pequeno
desenho informar ser proibido fumar.
- Então? - perguntou no tom mais grave da sua voz.
- Mais um dia e pronto, O'Hara.
E ficaram a olhar um para o outro. Até que o
deficiente físico, de pála posta, perguntou:
- Olhe lá. O que é que você descobriu?
- Hum... não sei ainda. Só sei que você está a deitar
a cinza sobre a camiza e para o chão.
- Pois estou. Palre lá.
- Passo aqui horas a pensar e não chego a lado
nenhum. Mas diga-me uma coisa, O'Hara,
ou melhor, duas. Primeira: por que não foi você a
aparecer no "Quatro de Espadas", quando o Ralph
explodiu? Segunda: a sua visita é oficial ou veio
ver-me porque é muito meu amigo e etc.?
- Primeira resposta: eu não estava na Central.
Encontrava-me em Brooklin, com uma merda
qualquer. Um gajo que matou a mulher, batendo-lhe
com a cabeça na panela da comida... aliás, eu teria
feito o mesmo... quando vi a porcaria do guisado de
carneiro que ela lhe fez... Só soube do Ralph pelo
rádio do carro. Quanto à minha visita, pode crer que
não é oficial, nem por estar preso de amores por si.
- Então, se não é oficial, vem cá tirar uns quantos
nabos da púcara.
- Não. Estou de férias e... sou curioso. Chega-lhe a
explicação ou quer com mais molho?
- Ok. Não há razão para lhe esconder o pouco que
obtive. Comecei por percorrer todos os bares e
dancings com a fotografia de Edgar Marlowe.
- Porquê ele e não outro qualquer?
- Isso é cá comigo.
- Tá bem. Mas nós já tínhamos feito tudo isso.
- Pois já, mas com métodos diferentes e com tipos
muito menos capazes que eu.
- Sempre admirei os gajos modestos, Bronco. Até
me vêm as lágrimas aos olhos.
- Ao olho, quer você dizer.
O'Hara rosnou:
- A minha vontade era dar-lhe com a perna de pau
num joelho.
- Você, com a idade, está a perder o senso de humor.
O'Hara deitou para o chão a beta, ajeitou a pála e
esperou. Não lhe convinha incompatibilizar-se agora
com o detective.
- Tá bem. Conte lá o resto.
- Bem... ao fim de trinta e tal bares, encontrei no
"Devils'" um barman que reconheceu o agente e que
se lembra duma gaja muito boa que estava com ele.
Não consegue descrevê-la bem, mas notou que tem um
olhar estranhamente fixo. Se ela voltar a aparecer,
telefonará... se já não o fez. Ele deve ter assistido ao
tiro e tudo o mais.
- Estranho, esse tiro. Uma arma antiga, mas segura.
Uma arma de profissional.
O'Hara sabia que tinha de dar alguma coisa em troca.
- Os jornais não a referiram.
- Pois não, Bronco. Uma Magnum .357, com cano de
três polegadas e meia. Muito usada pelos profissionais
do crime, como você, tão bom detective como se diz,
deve saber.
- E não costumam falhar...
- Logo, Bronco, não era um profissional...
Ficaram os dois a pensar até que Bronco disse:
- Oiça, O'Hara. - E fixou-o bem no seu único olho. - O
barman não telefonou, nem mandou recado a ninguém,
enquanto lá estive. Só a Polícia poderia saber... algumas
vezes pareceu-me estar a ser seguido...
- Quer você dizer que foi a Polícia que o baleou?
- Restam-me poucas dúvidas... e a si?
- Curioso...
- Curioso digo eu! Pensava que você iria dar pulos e
chamar-me filho da puta, como já o fez Rockfeller e,
afinal, diz calmamente, "curioso"!
- Oiça, meu rapaz. Não vale a pena contrariar o óbvio.
Quando você sair, quero estar consigo à conversa, em
sua ou em minha casa.
- Você está de férias, velho?
- Já lhe disse que sim. Sabe onde moro?
- Sei... se ainda é aquela mansarda... pior que a minha.
- É a mesma. Espero lá por si amanhã, para jantar.
- Arre! A Polícia enfia-me um balázio no corpo e, em
seguida, o célebre Chefe da Brigada de Homicídios
oferece-me de jantar! Começo a sentir que sou gente
crescida!
- Claro que não é, Bronco. É um puto pouco esperto,
mas sério. É só.
- Obrigado pelo piropo... velho.
- Velho era o preservativo que o seu pai utilizou quando
o concebeu... deve ter-se rasgado e entraram também
alguns fungos...
............
(Ed B. Silverman é também autor do livro Crime Craker.)

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