Thursday, March 16, 2006

29. O caso da mulher com um olho de vidro (cont.)

9.

A porta principal do St. James Hospital. Apenas duas
escadas e uma rampa a separavam de uma rua larga
que rasga um pequeno jardim com dois acessos - um
de entrada e outro de saída de veículos.
Bronco Vale aguarda que Linda Marlowe traga o carro
do parque de estacionamento, enquanto o dr. Kildaire,
de mãos nos bolsos da impecável bata branca, fita um
horizonte distante, próprio de íntimos e profundos
pensamentos, não se apercebendo de que a recepcionista
o comia com os olhos, já que não o poderia fazer com
outras partes físicas.
Vale não estava particularmente atento, mas um
reflexo de vidraça, num dos prédios em frente, deu-lhe
o alerta. Atirou-se ao chão e rolou para junto de uma
ambulância vazia estacionada um pouco mais à frente.
A bala bateu no passeio, fez um ricochete no Sol bemol
da terceira oitava e quebrou um dos amplos vidros
laterais do hospital.
Já várias pessoas se aproximam, estupidamente
curiosas (roxas de curiosidade), quando segundo tiro
partiu, de outro ponto do quarteirão, acertando na anca
direita de Bronco. Este, apesar das dores intensas,
coitado, consegue apontar a arma para a janela de onde
partira o primeiro tiro, do outro lado da rua. Mas seria
inútil. Estava deserta.
Os roxos de curiosidade ficaram brancos-cal de medo e
desapareceram, alguns soltando gazes.
O detective, com incalculável esforço, conseguiu içar-se
para a cabina da ambulância e, assim, proteger-se do
segundo atirador.
Silêncio sólido, pesado, daqueles mesmo que se ouvem.
À porta do hospital, alguns maqueiros e um perneta de
muletas, espreitavam a cena. Deliciados, os sacanas. Mas
nisto o perneta vai até ao meio da rua e, tansformando
uma das muletas em metralhadora, aponta para o prédio
e faz com a boca rá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
A recepcionista aproveitava-se da confusão para se
agarrar nervosa ao braço do dr. Kildaire, encostando-
-lhe o mamilo esquerdo, como se de um berbequim se
tratasse. O parvo nem dava por isso.
Como um aviso final, terceira bala furou o chapéu de
Bronco, caído no passeio, a dois passos do perneta. Um
discurso concludente.
Linda Marlowe chegou então, conduzindo o seu carro
azul-marinho chamado Ford. Estava boa, boa, boa.
Com o Kildaire já recomposto, Linda e o médico
correram para a ambulância onde, sentado de lado,
Bronco Vale gemia e sangrava. Tiraram-no, com a
ajuda dos dois maqueiros e o detective voltou a entrar
no hospital.
A recepcionista, que já tinha arquivado o processo do
detective e agora, com um mamilo mais pequeno que o
outro, abriu a gaveta e retirou, de novo, aquele modesto
sobrescrito que dizia apenas Bronco C. Vale.
Preencheu novo impresso e olhou para o corredor, com
ar infeliz. Ao longe, as costas do dr. Kildaire marcavam
a dignidade e a competência, a caminho do elevador.
Linda Marlowe segurava na mão do detective que
seguia na maca. Com dores.
Jane, a recepcionista, deu uma palmada no balcão de
recepção com tanta força que parecia um tiro. Depois
sentou-se. O que havia ela de fazer? Entretanto, o
perneta caíra desamparado no meio da rua.
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(de Ed B. Silverman)

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