Wednesday, March 01, 2006

21. Bronco Vale

Há já um grupo de fãs do detective particular Bronco Vale.
Alguns e-mails fazem disso prova. Até decisão em contrário,
vou continuar com esta novela de Ed B. Silverman deixando
para mais tarde outras leituras de livros.

3.
Quando os agentes e a equipa técnica se foram embora, Bronco,
Mike e o Inspector-Chefe Rockfeller sentaram-se a uma mesa,
à entrada da porta, onde o cheiro era quase nulo.
Nessa manhã, Rockfeller estava impecavelmente vestido (calça,
casaco, colete, cachecol, chapéu e sobretudo). Parecia um
abastado banqueiro ou um advogado com êxito. Encontrava-se
na fase "Perry Mason", cuja série tinha recomeçado apenas há
três dias (Canal 75, do qual "espremendo o telecomando, sai
sangue"). Curiosamente, identificava-se mais com o advogado
do que com o promotor e lambia o ecrã quando aparecia a Della
Street. Coisas...
- Como poderá chamar-se? - perguntou o Inspector - "O Caso
da Bomba Humana" ou "O Caso da Mulher Com Um Olho de
Vidro" ou, ainda, "O Caso da Loira Explosiva"?
- Ela é loira? - perguntou Mike, que gostava muito das loiras.
- Ainda não sei bem... trabalhamos neste caso noite e dia. Bem...
conte lá a sua história, Bronco. (Suspirou.) Estes trabalhos
seriam muito mais interessantes com uma miúda engraçada
como secretária.
- Para que quer uma miúda engraçada se já tem o O'Hara? -
disse Mike, atrasando a conversa.
- Bem... se você não fosse um herói da guerra e não se tivesse
reformado como major, mandava-o à merda.
- Pronto, Inspector. Já não se pode dizer uma piada? O que quer
tomar? Por conta da casa, claro.
- Pode dar-me um gin fizz cortado.
- Mas que raio é isso? Ácido sulfúrico com uma gema de ovo e
muito gelo... para cortar?...
- Não. Deixe. Continue, Bronco.
- Continuo o quê?
- Disse-lhe para contar a sua história, não disse?
- Disse. Mas depois começou a falar de miúdas e de bebidas...
- Comece já. Ou prefere na Central?
- Bem... Não tenho muito para contar. Telefonei ao Ralph e
pedi-lhe que viesse aqui tomar um copo comigo. Dei-lhe meia
hora. Quando cheguei, estava ele nos lavabos e, depois, pum!
Mike viu-se na obrigação de esclarecer:
- Ele chegou, Inspector-Chefe, pediu um uísque e...
- ...duplo...
- ...pois, uísque duplo e foi para os lavabos, abrindo a braguilha,
não foi assim. Quem pediu um uísque duplo foste tu, Bronco. O
Ralph pediu um uísque simples.
Bronco Vale condescendeu:
- Deve ser isso.
O Inspector-Chefe rosnou:
- Siga!
- Onde é que eu estava?
- Estavas na braguilha - disse Bronco.
- Eu? Na braguilha? Que queres insinuar, sacaninha?
- Alto aí!!! - Berrou Rockfeller. - Conte lá a sua versão e
deixe-se de merdas!
- Calma, Chefe. Não é caso para tanta irritação. Foi assim:
o Ralph chegou, pediu um uísque simples - ouviste, Bronco? -.
e foi para os lavabos abrindo a braguilha. Cerca de dois
minutos depois entrou o Bronco. Olhe: tenho ali a sua carteira
e partes do relógio. Uma recordação para a viúva, claro. Que
eu tenho um bar mas não sou um impedernido; tenho coração
como...
- Cale-se! - rosnou outra vez o Inspector-Chefe, que olhou
fixamente para Bronco Vale e perguntou muito devagar,
devagariiiinho...
- Que queria você do Ralph?
- Eu? Bem, não é segredo. Queria combinar com ele irmos
amanhã bem cedinho, apanhar flores silvestres e oferecê-las
à Igreja de São Bernardo, para a missa do meio-dia.
Mike Hook bateu com os ganchos, dando palmas metálicas,
interessantíssimas.
- Você sempre me saiu um bom filho da puta!
- Cuidado, Inspector. Olhe que tenho aqui uma testemunha.
- Quem, eu?! Não ouvi nem vi nada! - disse candidamente
Mike Hook, enquanto coçava o interior de uma orelha com
um dos ganchos.
Bronco, só para chatear, continuou:
- Não acredita mas, quando eu era puto, o padre da Igreja de
S. Bernardo, o Reverendo Bing Crosby, dava-me bolinhos...
- Ai dava?!... E ao Ralph também, claro...
- Sabe, Inspector, o Ralph sempre teve mais jeito do que eu
para colher flores e organizar os ramos. Veja lá que até sabia
o nome delas todas.
- E agora explodiu! - disse Mike, só para dizer qualquer coisa.
- Muito bem, Bronco. Já percebi. Mas se o encontro a
atrapalhar, por entre as pernas dos meus homens, terá um
enterro de primeira classe. Saco-lhe a licença mas, antes,
havemos de ter uma interessante conversa...
E saiu, deixando Bronco e Mike olhando tristemente para os
copos vazios.
- Bem, Bronco. Tenho de arranjar uns gajos para limpar e
reparar tudo isto. Uns dias fechado. O que vale é que tenho
seguro.
- E eu tenho e ir falar com a Verónica.
- Ela já sabe?
- Não, mas com o meu telefonema de há pouco deve ter
ficado desconfiada. Tenho de lá ir antes da Polícia.
- Pois é: tens de lá ir antes da Polícia.
- Mike.
- Hum...
- Por que não quiseste servir de testemunha quando ele me
chamou de filho da puta e começou a fazer chantagem?
- Tenho um bar, como vês. Tenho um bar, cujo dono, eu,
fecha às horas que entende e recebe os clientes que quer.
A Polícia nunca gostou da tropa e vice-versa, em qualquer
parte do mundo. E, mais vingativo que um elefante, só um
chui.
- Bem, Mike, trás lá a garrafa. Não, duas. Acabei de poupar
100 dólares.
- Bronco...
- Hum...
- O que é que o Ralph andava a investigar?
- Tu já sabes, malandro. Queria ser herói, descobrir tudo e
sair com o retrato nos jornais... essas merdas... e por conta
própria.
- E tu, Bronco?
- Eu o quê?
- Andas com algum caso?
- Agora tenho um caso para resolver: quem irá apanhar as
flores para a Igreja de S. Bernardo e para o meu querido
Reverendo Bing Crosby?
- E se em vez de ires apanhar flores, fosses apanhar no cu?
- Neste país já não se pode ser crente e amigo da sua
paróquia... que porra esta!
Pegou no saco com as duas garrafas, acenou a Mike e saiu.
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