Friday, March 17, 2006

30. O caso da mulher com um olho de vidro (cont.)

10.

O'Hara entrou no bar também duas horas antes de este abrir.
Tal como na visita de Bronco, Joe, no seu posto, limpava copos
como habitualmente àquela hora. Gostava de os ter a brilhar.
- Olá, Joe.
- Hum...
- Vale falou contigo há três dias.
- Outro chui!!!
- Talvez um inválido da guerra, em férias, mas duro como aço
americano.
Joe, olhando para a mão metálica e para a pála, tentou um
sorriso irónico. Quase o conseguiu.
O'Hara meteu a mão natural no bolso, retirou uma folha de
papel dobrada em quatro e, com a ajuda dos ganchos da outra,
desdobrou-a. Tudo sem pressas e parecendo não ter visto o
ameaço do sorriso irónico.
- Vejamos. "Martinez, Juan Angel Martinez, mais conhecido
por Joe. De 35 anos de idade. Filho de porto-riquenhos.
Instrução primária completa. Impedido de ir para o Vietnam
devido a lesões pulmonares. Preso cinco vezes por pertencer
a bandos de delinquentes. Assaltos a postos de gasolina. Duas
vezes absolvido por falta de provas ou deficiente identificação
testemunhal. Preso de novo dois anos depois por vender droga
num bar em Manhattan. Condenado a três anos de prisão que
cumpriu. Pensa-se que continua metido no negócio, mas mais
discretamente."
Joe já tinha partido um copo. As mãos tremiam-lhe.
Preparava-se para partir outro. O'Hara continuou, em voz
baixa e calma:
- Aquando do último julgamento, o juiz Stephan Corbert avisou
que, da proxima vez, poderias ser recambiado para Porto Rico.
Podes, não podes?
- Não fiz nada! Estou limpo!
- Não acredito mas, por agora, está bem. Canta.
- Nunca mais me meti com eles! Não quero mais sarinhos!
- Canta, Joe.
- Oiça, senhor. Não quero perder o meu emprego. Não quero
voltar a ser preso. Organizei a minha vida.
- Mas não disseste tudo ao Vale.
- Não, isso é verdade... Não gostei da cara dele... Desculpe...
ele é seu colega, mas não gostei dele.
- Ele não é meu colega, Joe.
Joe parou com os tremeliques nas mãos. Compreendia agora
que O'Hara era mesmo duro como o aço (americano). Por este
tipo de chuis tinha verdadeiro respeito ou, talvez, medo. Bebeu
um copo de água sem o deixar cair nem verter.
- Bem... ela não voltou cá... mas vi-a.
- Ela quem?
- Não sei o nome.
- Conta o resto.
- Sim, senhor. Na 72ª, antes do Parque.
- Já é qualquer coisa.
- Bem... é destas coisas que a gente observa... não parecia
ir com destino, percebe?
- Não.
- Passeava. Parecia que vivia ali. Quando moramos num sítio,
andamos de maneira diferente. Observava as montras sem
pressas e até conversou com o cego das revistas, nas calmas.
Reparei nisto tudo por causa das perguntas do outro chui.
Para ocupar as mãos, começou a limpar outro copo. Mais
tarde apanharia os cacos do chão.
- Viste de onde partiu o tiro?
- Não, senhor. Daqui não se vê nada lá para fora.
- A quem deste o número do telefone do Bronco Vale, do gajo
que cá esteve?
- A ninguém, juro!
- Não o deste a ninguém...
- Não. Para quê?
O único olho são de O'Hara parecia uma teleobjectiva
apontada a Joe.
- Ouve, meu filho. Mais cedo ou mais tarde virei a saber e,
se o bichanaste a alguém, não serás deportado, não terás
saúde para a viagem.
- Não o dei a ninguém e, se quisesse, não poderia. Assim que
o gajo saiu, rasguei o seu cartão. Farto de merdas estou eu.
- Não te esqueças de mim, Joe. E nunca te rias quando vires
um gajo sem um olho, sem uma mão e sem uma perna. Um
dia fodes-te!
Mancando, O'Hara saiu. Juan Martinez prendeu uma mão na
outra. Tinham voltado a tremer.
- Mas que merda! Que merda!
E tossiu. Os pulmões não estavam tão bons como ele pensava.
Esta coisa de assaltar postos de conveniência aos 17 anos, faz
muito mal à saúde. Por causa da humidade da noite. Toda a
gente o sabe.
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(da novela de Ed B. Silverman)

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