Tuesday, March 28, 2006

33.O caso da mulher com um olho de vidro (cont.)

13.

Naquela noite o canal 76 ("Este é o calibre 76. Carregue no
telecomando e mate a sua vizinha"), tinha anunciado uma
nova série, escrita por Ed McBain e passada numa
esquadra de polícia, com um detective chamado Steve
Carella.
Rockfeller aninhou-se para assistir. No momento exacto
da transmissão, depois de cento e dezoito comerciais, toda
a sua zona ficou às escuras. Um corte geral de energia.
Rockfeller acabou a lata de cerveja. Foi até à janela. Abriu
as cortinas. Tudo negro. Só ao longe algumas luzes
vermelhas nos telhados dos arranha-céus, pontinhos
marcando presença.
Viu pois em negrume a sua cidade. Quando sentiu lágrimas
nos olhos, dirigiu-se para o seu quarto, para se deitar.
É tão triste, sofredora e abnegada a vida de um inspector-
-chefe!

14.

Na manhã seguinte Rockfeller estava deprimido, apesar da
neve se ter derretido durante a noite e o dia se apresentar
menos agreste, quase ameno, com o Sol como deve ser.
Percorreu o longo corredor até ao seu gabinete,
resmungando quando o saudavam. Resmungou ainda
quando viu quem o esperava: Bone.
- Bom dia, senhor.
- Hum... entre.
Entraram. Rockfeller deixou-se cair na sua ampla cadeira e
apontou para a outra, na sua frente. Era uma ordem. Bone
sempre atento compreendeu-a. Quando abriu a boca para
falar, soou a campainha do telefone.
- Rockfeller - disse o dito, com evidente enfado. E ficou
escutando, cada vez mais interessado. Pronunciou uns
quantos monossílabos e terminou, dizendo:
- Bem trabalho, O'Hara. Mate-a! Nada de julgamentos.
Mate-a, mas antes que denuncie a pandilha toda - e desligou.
Bone ficou pálido. Muito pálido.
- Afinal, Bone, o que quer de mim?
Bone atrapalhou-se. Tossiu e, em seguida, acendeu um
cigarro.
- Bem, Inspector. Estive a rever todo o processo das
explosões e não encontrei qualquer ponta, qualquer pista.
Só vi que nos faltava a informação sobre o tal cientista
búlgaro.
- Ah! Esse! Sem interesse. Nem fiz a nota para o processo.
O agente descobriu que ele andava aos pulinhos, sempre
contente e a rir, porque a irmã e o cunhado, que vivem na
Alemanha, jogaram em nome dele num concurso qualquer,
tendo ganho um milhão de marcos. Não tem nada a ver
com o nosso caso. Mas você está doente, Bone. Está cada
vez mais pálido.
- Sim... realmente não me sinto lá muito bem...
E, mal acabou esta frase, um violentíssimo estrondo abalou
as paredes, partiu os vidros das janelas, atirou ao chão o
Inspector-Chefe e fez voar a porta do gabinete. Quase
imeditamente, a sereia de alarme do edifício desatou num
desalmado berreiro de alerta, para que todas as portas
exteriores fossem fechadas.
O gabinete e Rockfeller estavam irreconhecíveis.
Bocadinhos de Bone tinham-se espalhado por toda a sala,
como confetti de várias cores, com predominância para o
magenta e o rosa-truta, para além do castanho, claro.
O Inspector batera com a cabeça no chão e perdera os
sentidos. Contudo, a secretária tinha-o protegido um pouco.
Vários detectives e agentes acorreram olhando, da entrada,
para aquela tremenda imagem de destruição. Alguns
retiraram-se para vomitar. Uma porcaria pegada. Um
escalracho. Uma vergonha e um nojo aquilo tudo. Merda por
todos os lados. E um cheio pestilento.
Os repórteres não se fizeram esperar, mas foram impedidos
de entrar e não havia ainda qualquer comunicado oficial.
Contudo, a edição do meio-dia do Brooklin Herald informava
em manchete, que uma bomba, colocada pelos comunistas,
tinha destruído, quase na totalidade, o edifício da Central da
Polícia, havendo já 18 mortos e 127 feridos, dos quais dois
detidos e ainda uma criancinha de colo.
Após a primeira assistência médica, Rockfeller recolheu a
uma clínica psiquiátrica, com distúrbios e profundas
depressões verticais.
O assunto assumiu, claro, cariz nacional.
Nathaniel B. Clarck (NBC na intimidade partidária e familiar,
como já se informou o leitor), Governador, ligou para a Casa
Branca. Após vários contactos conseguiu o que queria. O
secretário, nas suas memórias mais tarde publicadas ("My
Life with the President"), referenciou o diálogo pormenoriza-
damente.
"- É grave, senhor.
- Na própria Central?
- Na própria!
- Que medidas tomou? - perguntou o senhor.
- Todas.
- Os meus assessores acreditam que a mão da foice e do
martelo é que accionou tudo isto.
- Talvez a Nicarágua, senhor.
- Mas os problemas com o Médio Oriente já estão
praticamente solucionados, ou em via disso.
- Mas a Nocarágua não é no Médio Oriente, senhor.
- Ah não?! Pois claro que não. É na África Austral.
Silêncio.
- Está?
- Estou, senhor.
- Mobilize todas as forças. Não esquecendo as agências.
- Muito bem, senhor.
- Ponha-me ao corrente a qualquer hora do dia ou da
noite.
- Muito bem, senhor."
E desligaram.
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(de Ed. B. Silverman)

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