Thursday, February 16, 2006

16. O caso da mulher com um olho de vidro (cont.)

11.
Os importantes porteiros dos importantes hotéis são,
normalmente, além de impotentes sexuais - ou por isso mesmo -,
vingativos, ácidos e prepotentes, para alguns. Cordeirinhos
risonhos, subservientes e restejantes, para os grandalhões. Isto
consta dos livros. Por isso, quando O'Hara saiu, disse:
- Vossa Excelência não gostou da suite real?
- Não. Não tem bidé espelhado.
- Saiba Vossa Excelência que bidé espelhado é só para a Princesa
Carolina do Mónaco.
- E para a puta da tua mãe.
E O'Hara entrou no carro, olhando para o relógio.
- Para a Rua 35.
- É para já, Chefe.
O motorista arrancou a grande velocidade.
Como se estivesse a falar do estado do tempo, foi dizendo:
- Falaram da Central.
Como O'Hara nada dissesse nem mostrasse interesse, somou:
- Não era nada de especial. Somente o Inspector-Chefe que
queria saber onde estava.
- O que é que respondeste?
- A verdade, Chefe. No Waldorf, possivelmente no bar.
- Muito bem. Como adivinhaste?
- Desculpe que lhe diga, Chefe, mas as minhas qualidades ainda
não foram devidamente apreciadas pela corporação. Tenho, na
verdade, capacidades imaginativas e deductivas... eu...
- Encosta aí junto desse prédio velho. É aí. Não atendas mais a
Central, se chamarem.
- Muito bem, Chefe. Quem manda, manda. Quem obedece,
lixa-se.
- Que queres dizer com isso, agente de terceira?
- Nada, Chefe. Desculpe lá. Estava nervoso. Ando nervoso. A
minha mulher está grávida de oito meses.
- És tu o pai?
- Ó cum raio!
- Calma! Deixa-te estar aí ou vai tomar uma bebida. Mas não
me devo demorar.
Quase a chorar, respondeu:
- Sim, Chefe...
O'Hara bateu à porta da velha casa.
Três minutos depois, Archie Goodwin entreabriu a porta,
mantendo o fecho de segurança.
- O'Hara.
- Oh! Chefe! Por que veio tão cedo?...
E foi retirando o fecho e abrindo completamente a porta.
- ...Oh que raiva!
- Diz, Archie, meu pequeno...
- Ainda não acabei de embrulhar a sua prenda de Natal.
Faltou-me a fita e o Fritz ainda não teve tempo de ir à rua
comprar mais.
- O que é hoje o almoço?
- Narcejas recheadas com uvas descascadas, com batata
frita palha em ninhos, cheios de azeitonas e pickles cortados
aos bocadinhos. Acompanha salada de tomate francês,
sem cebola.
- Nada mau.
- Pois... para quem o comer. O que não é o seu caso.
- Olha, rapaz. Quero falar com o Nero Wolf, o teu dono.
Archie Godwin introduziu a visita na sala de espera e
dirigiu-se para o gabinete de trabalho. Eram onze horas da
manhã e Nero Wolf descera naquele preciso momento da
estufa de orquídeas.
- Está na sala o deficiente físico que dá pelo nome de Chefe
O'Hara. Diz que quer falar consigo e mostrou interesse no
almoço. Já não anda de muletas. Infelizmente está melhor.
- Recebo-o mas não lhe dou almoço.
- Porquê? Se me é permitido perguntar.
- Não estou para o ver, a si, a cortar-lhe as narcejas. E
também não gosto de ver comer com as mãos... com uma
mão. Mande-o entrar e tome notas.
Goodwin assim fez. Foi à sala e trouxe O'Hara. No pequeno
percurso, foi envenenando:
- O maior génio da criminologia contemporânea vai recebê-lo
mas não conte com o almocinho. Ele não gosta de polícias à
mesa. Tem um raio de um feitio... diz que um chui à mesa lhe
faz azia...
Goodwin apontou para o dadeirão vermelho.
- Como está, Wolf - perguntou O'Hara sentando-se e pegando
na perna de pau com duas mãos e colocando-da sobre uma
cadeira à sua direita. Ficou todo torto mas isso era lá com ele.
- Tem cerca de 15 minutos para dizer o que deseja. Depois
tenho afazeres na cozinha.
- Muito bem.
O'Hara preparava-se então para levantar a pála, quando Wolf
deu um berro.
- Alto aí! Deixe esse trapo onde está!
Goodwin, divertidíssimo, sentado à sua secretária, já abrira o
bloco e tomava notas: horas, pessoa, dia, tipo sanguíneo, partido,
calosidades, etc.
- Bem... - disse O'Hara em voz baixa. - Esta visita, Wolf, não é
oficial. A minha ideia é conversar consigo sobre as explosões das
pessoas. Não sei se tem acompanhado o caso...
- Não lhe dou de almoço, mas quer tomar uma cerveja?
- Pode ser.
E Wolf tocou para Fritz, que imadiatamente apareceu com uma
bandeja transportando cervejas e copos.
- Uma cerveja para o senhor O'Hara. Como estão as narcejas?
- Um pouco secas - respondeu Fritz, olhando de lado para O'Hara.
- Não deite manteiga, Fritz. Um pouco apenas de sumo de tomate
com três gotas de piri-piri e de limão.
- Sim, senhor - e saiu.
O'Hara bebeu logo metade da cerveja. Um sôfrego. E, tendo um
guardanapo na bandeja, preferiu limpar a boca com a mão sã.
- Pois Wolf, as pessoas vão explodindo.
Wolf exercitava os beiços para dentro e para fora e parecia tentar
captar os aromáticos odores da cozinha.
- Hum... Tenho lido, mas não posso aconselhá-lo, senhor O'Hara.
- Eu não sou o Cramer nem o Rockfeller.
- Ainda bem para si. Mas, se me permite explicar-lhe, sou um
cultivador de orquídeas que, por vezes, é solicitado a investigar
um ou outro caso... que aceito, se me interessar. Este interesse
representa, também, ter um cliente e um certo aumento da
conta bancária que o Archie Goodwin tanto se esforça por manter
em condições de cumprir com as necessidades desta casa. Logo,
neste caso, para o aconselhar, precisaria de ter um cliente. E
você não é um cliente. Você é um, como se diz? Ajude-me, Archie.
- Um pendura - respondeu ele.
- Um pendura - repetiu Wolf.
- Tem razão, Wolf. Pensei apenas que houvesse uma certa
solidariedade entre aqueles... aqueles que lutam contra o crime...
mas vejo que não há... nem cerveja já há...
Nero Wolf quase sorriu. Voltou a tocar para o Fritz e pediu mais
cerveja. Depois continuou:
- O'Hara. De qualquer modo, sem compromisso e rigorosamente
confidencial, posso adiantar que você está perante um grupo e um
assassino. É um gang organizado e especializado. Aliás, devo
dizer-lhe - e longe de mim a intenção de ofendê-lo sob o meu
tecto -, que o assunto seria resolvido por mim em precisamente
24 horas.
- Modesto... - rosnou baixinho Goodwin.
- O quê?! - urrou O'Hara.
- É evidente que tem direito absoluto à dúvida. Se me arranjar um
cliente e, repare bem, se eu estiver interessado, resolverei o
problema num dia... tratando à mesma das orquídeas, às horas
para elas estabelecidas.
- Wolf... você é um figurão vaidoso.
Archie baixou a cabeça para não o verem sorrir.
- Não quer mais nada? Nem cerveja?
- Não, Wolf.
- Archie, acompanhe o senhor O'Hara.
Goodwin assim fez.
- Para onde lhe envio a prenda?
- Não me foda...
Goodwin despediu-se cordatamente de O'Hara, colocando o fecho
de segurança e voltou para o gabinete de trabalho.
Revolveu os apontamentos. Abriu e fechou as gavetas. Destapou e
tapou a máquina de escrever. Abriu o cofre e voltou a fechá-lo.
Levantou o telefone e pousou-o de novo.
- Diga... - ordenou Wolf com ar cansado.
- Ninguém duvida de que, quando quer trabalhar, o que, aqui
para nós é raro, consegue ter esse intelecto pronto a resolver os
problemas...
- Temos algum cliente?
- Não, senhor, mas...
- Então vou ver como está o almoço.
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(do livro com o mesmo nome, de Ed B. Silverman)

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