Sunday, February 19, 2006

17. O caso da mulher com um olho de vidro (Cont.)

12.
De 17 de Novembro a 24 de Dezembro explodiram, nas mais
diversas situações, vinte agentes da Brigada de Homicídios da
Polícia de Nova Iorque.
Os jornais e as televisões fizeram grande alarde do acontecimento
e o Mayor pretendeu realizar um funeral colectivo, para mostrar
ao país como os seus homens, mal remunerados e sempre
criticados, morrem com honra no cumprimento do dever.
O problema que então se levantou foi o do ridículo de 20 urnas a
desfilar nas ruas sem nada lá dentro, vazias. A ideia foi então
posta de parte mas, em compensação, a 27 de Dezembro, uma
lei municipal obrigava a ter a bandeira a meia haste em todos os
organismos públicos, até ao dia 28, ao meio-dia.
Entretanto deu-se o Natal - inevitavelmente as pessoas e as
criaturas ficaram todas boazinhas, graças a Deus Nosso Senhor e,
também inevitavelmente, dá-se a passagem do ano que, desta
vez, foi a 31 de Dezembro, repleta de crimes, bebedeiras, fomes
e banquetes, beijinhos, beijocas, facadas, tiros e bofetões - enfim,
assinalou-se o evento com muita dignidade, principalmente nos
templos e nas associações de ajuda aos pobrezinhos, aos
esfomeadinhos, aos sem-abrigo, aos alcoólicos anóninos, aos
seropositivos, às mães solteiras, aos porto-riquenhos, aos
animais e aos drogados também. Houve ainda uma centena
de suicídios sem qualquer importância - uns pobres da merda já
fartos. Outros conseguiram aguentar os rigores da neve, da fome
e do abandono e lá transitaram para o ano e década seguintes,
com a bênção do Senhor e do Presidente e respectiva esposa. Neste
período de oito dias, morreram assassinadas à dentada, facada,
por enforcamento, veneno para os ratos, por balas de diversos
calibres e por asfixia, uma centena e meia de criaturas.
Quanto aos nossos heróis, O'Hara andava sempre com a pála no
olho, por via do frio áspero que varria a cidade e Rockfeller passava
por uma crise de identificação pessoal - havia poucos filmes policiais,
nesta época, nas televisões. Tudo sinos e pessoas boazinhas e
estrelinhas no céu. Uma chatice!
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