Monday, February 20, 2006

18. O caso da mulher com um olho de vidro (Cont.)

13.
No dia 2 de Janeiro, no salão nobre da Câmara Municipal,
efectuou-se uma reunião em que participaram inspectores, o
procurador-geral da República, o Mayor, directores do FBI e
da CIA, dirigida pelo Governador do Estado.
Não foi permitida a presença, na sala, de jornalistas.
Nathaniel B. Clark (NBC na intimidade), Governador do
Estado de Nova Iorque, abriu a sessão da maneira esperada,
pois tendo, nos começos da sua carreira, sido chefe das
relações públicas de uma importante agência de publicidade,
sabia conduzir com gentileza, por vezes exagerada, os assuntos,
os problemas e as reuniões.
Endireitando os punhos da camisa, que estavam direitos,
começou dizendo, com um sorriso, que logo emendou:
- Muito obrigado pela vossa presença, estimados senhores.
Pedi-vos o enorme sacrifício de abandonarem os seus afazeres,
neste começo do ano, a fim de, comigo, se analisar o problema ou
o caso das explosões humanas.
Estava dado o ponto da agenda. O silêncio era total. NBC olhou
à volta satisfeito e continuou em tom dramático:
- Ainda no ar pairam os gritos de alegria e os brindes de mais
uma passagem de ano; ainda sentimos em nós o carinho e os
votos dos nossos entes queridos; ainda recordamos com felicidade
as prendas que nos ofereceram, e já aqui nos encontramos,
indissoluvelmente ligados ao nosso dever de cidadãos e de
responsáveis pelo bem-estar e segurança do povo americano.
(Breve pausa.) Está connosco neste momento o pensamento do
Presidente, que, do seu rancho, telefonou apoiando a nossa decisão
e reunião. Assim, estimados amigos, entremos imediatamente na
matéria, para aproveitar bem o tempo que nos é pago pelo povo
contribuinte. (Breve pausa.) Queira fazer o favor, Mayor.
O Mayor, John Feltcher, estava profundamente descontente.
Há anos que fazia parte do seu interesse e quotidiano, os flashes,
microfones, as câmaras de televisão. E agora, em assunto tão
importante, nada! Numa reunião tão prometedora, com um
assunto que já apaixonava toda a América.
Com o seu treino, caseiro e público, disse o Mayor:
- Obrigado, Governador. Como sabem, 23 pessoas morreram,
em dois meses, de explosão e, infelizmente, não sabemos o que
nos espera no futuro. Das 23 pessoas, 20 eram nossos agentes,
dedicados e íntegros policiais, pelo que tomo a liberdade de pedir
a todos um minuto de silêncio, em sua honra e memória.
"Porra! - pensou NBC - Isto devia ter sido dito por mim! Foi
um grande trunfo! Porra! Porra! Mas como não me lembrei eu
do sacana do minuto de silêncio?! É de belo efeito, humano e
tudo e a besta do Feltcher é que fica com as honras! O meu
secretário é uma besta, também."
Quando toda a assistência se voltou a sentar, o Mayor pediu
ao Inspector-Chefe Rockfeller que fizesse o ponto da situação,
ao que este acedeu, metendo o cachimbo no bolso (estava na
faze Maigret).

- Temo-nos esforçado, noite e dia, para resolver este
problema. Sabemos que, por detrás das explosões, há uma
esbelta mulher, que usa um olho de vidro. Contudo, ainda não
encontrámos ninguém que a tenha visto. Até agora só tem
efectuado contactos telefónicos e, como sabem, não podemos
pôr todos os telefones de Nova Iorque em escuta.
E o Governador:
- Se ninguém ainda a viu, como sabe o Inspector-Chefe que
ela é uma esbelta mulher?
"Esta foi bem metida, caramba!" . Pensou NBC.
- Bem... É uma boa pergunta, Governador. O'Hara, por que
é que você me disse que ela era uma esbelta mulher?
-O'Hara, com o seu único olho, fulminou o Inspector-Chefe.
- EU nunca disse que ela era uma esbelta mulher.
- Se não foi você, foi o detective Bone.
- Eu?! Pois se nunca a vi! Tanto pode ser esbelta, como
torta, velha, zarolha... perdão, Chefe O?hara... não queria de
modo algum magoá-lo... referir-me ao seu olho...
- Eu quero que você se lixe!
- Governador - era o homem da CIA.
- Sim, Mafiarelli, fale - condescendeu NBC.
- Julgo que os colegas da Polícia aqui reunidos não nos
poderão dar mais informações do que as que já temos.
Também a CIA fez algumas investigações, mas sem qualquer
resultado. Não sabemos se é um assassino, se uma quadrilha,
se parte da América se do exterior e, mais, nem sabemos
sequer quais são os seus objectivos. Permito-me perguntar:
intentam apenas lançar o pânico ou são experiências para uma
acção mais ampla e nacional?
- Mais ampla e nacional? Explique-se melhor, Mafiarelli.
- OK, Governador. Vamos supor que há um produto que
misturado, por exemplo, com o uísque, provoca aquelas
tremendas explosões. Ora, as mortes até agora ocorridas,
podem ter sido apenas ensaios desse tal produto.
- Mas... 23 ensaios?!
- Sim, senhor. Suponha que, depois de testado, o produto
será lançado secretamente num popular calmante ou, até,
numa boa marca de pastilhas elásticas. Começarão então as
pessoas a explodir às milhares por dia, em todo o país. E, se
o produto explodir com a mistura de Coca-cola, serão às
centenas de milhar. Num mês morrerá mais de 50% da
população americana, principalmente na faixa etária mais
jovem.
- Com que fim? Objectivos? - perguntou o Governador.
- Chantagem, possivelmente. Paramos com as mortes se
nos derem não sei quantos biliões de dólares...
Fez-se um pesado silêncio. A CIA tinha mostrado a sua
habitual capacidade de raciocínio e de antevisão dos factos.
Que seria da América sem a CIA? Era a muda interrogação
de todos os presentes.
- Sim, Mac, diga.
Era o homem do FBI, que não queria ficar atrás.
- Eu e o Mafiarelli temos trocado algumas impressões e,
pela nossa parte, investigámos a entrada de estrangeiros,
sua proveniência, especialidade, fins, etc. Dos 256 mil
entrados nos últimos seis meses, para este Estado, só dois
são químicos de grande craveira: um romeno e um búlgaro.
Fizeram as suas conferências e foram-se embora. Mas podem
ter deixado a fórmula com algum agente local. Seria
facílimo. Estes dois químicos estão a ser vigiados por colegas
da CIA nos respectivos países.
- Obrigado, Mac. Pôs o problema muito bem. Mafiarelli:
houve alguns resultados práticos?
- Isso é com o Mac.
- Pois, é comigo. Com o romeno, nada, Governador. Apenas
o búlgaro, segundo um dos nossos agentes naquele país, tem
andado muito feliz nos últimos tempos. Ri por tudo e por
nada, dá gargalhadinhas, como se contasse a si próprio boas
piadas e até dá pequenos pulinhos na rua. Conhecem o género...
Continuaremos a investigar.
- Muito bem. Muito obrigado, Mafiarelli e Mac. Como
sempre, as vossas agências funcionam. Alguns dos presentes
deseja acrescentar alguma coisa? Não? Bem. Temos agora de
preparar a comunicação para os órgãos de comunicação. Que
sugere, Mayor?
Delicadamente, Feltcher pronunciou-se.
- Como todos sabemos, o Governador estará mais apto para
expôr o ponto da situação aos jornalistas. Contudo, permito-me
sugerir que a teoria da CIA não deva ser divulgada. Seria o
pânico. Só o Presidente deverá ser informado dela. Entretanto,
proponho que sejam considerados rigorosamente confidenciais
os trabalhos que estão a ser efectuados pela CIA e pelo FBI.
Todas as pessoas presentes deverão guardar o maior sigilo.
"Segunda vez! Este gajo já está a chatear-me! Quem
deveria ter focado o aspecto da confidencialidade, era eu!
Merda para isto. Bastardo!"
- Muito bem, Mayor. De acordo. E, agora, Inspector-Chefe,
pode mandar entrar os jornalistas.
- Quem eu?! Que vá o Bone. Eu sou um inválido perneta.
- Sim, Chefe O'Hara.
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